Hoje em dia, nada parece mais promissor para definir os rumos da economia brasileira que a alegada aliança estratégica que pode ser construída com a China, especialmente depois da visita que o Presidente Lula fez àquele país oriental. Vejo com ceticismo e até com ironia o cultivo da amizade do Brasil com as duas ditaduras da dupla China-Rússia. E tem gente que gosta, acha que o socialismo chinês vai botar o capitalismo no... chine...lo. Meu medo é que, na linha de Trump e Bolsonaro, o mundo esteja rumando para um governo mundial ditatorial com promessas de bem-estar naufragada e de liberdade comprometida.
Obviamente, faço minha crítica ao trio Brasil-China-Rússia sob meu ponto de vista tradicional, nomeadamente, a esquerda, a esquerda igualitária, quando vemos também que esse trio é um portento de desigualdade (dados da Wikipedia):
Brasil com dados de 2020 - índice de Gini de 0,489
China com dados de 2019 - índice de Gini de 0,382
Rússia com dados de 2020 - índice de Gini de 0,360.
Pois então I. Ao que parece, não é apenas o duo China-Rússia que foge à democracia na razão inversa da velocidade do burro correndo ao azevém. Com uma desigualdade desse tamanho, que podemos dizer sobre o igualitarismo no Brasil? Pouco, pouco ou nada. Tenho argumentado, como base em meus estudos e, a fortiori, na maior parte da literatura da economia do desenvolvimento, que a chave do igualitarismo é o emprego. Um simples emprego de, digamos, ascensorista, gera renda que pode ser gasta com a educação musical do filho. O professor de fagote mandará o filho ao Beto Carreiro. O vendedor de picolés no Beto Carreiro enviará o filho a um mestrado na Universidade de Paris, Texas, e assim por diante...
E como podemos falar em emprego no Brasil, empregos decentes, digo eu?
Pois então II. Concluo que essas alianças, ainda que se destinem a que o Brasil seja contemplado com uma fração territorial da Ucrânia (ou do Uruguay), não são democráticas, não conduzem à sociedade igualitária. Senão vejamos, com dados do jornal Zero Hora (edição de sábado, dia 7 e domingo dia 8, caderno DOC, página 8). O tão desejado investimento chinês no Brasil para gerar emprego e renda nos dá uma dica sobre a absoluta impossibilidade de que o Brasil crie... adivinhemos... emprego e renda para absorver seus 40 milhões de homens e mulheres detentores de emprego precário ou simplesmente desempregados.
Tomemos duas promessas milagrosas de investimento chinês:
Primeira:
Emprega da China GWM (aqui) prometendo abrir uma fábrica em São Paulo, com investimento de R$ 10 bilhões, gerando 2 mil empregos. Ou seja, a assustadora quantia de R$ 5 milhões por emprego.
Segunda:
Empresa da China BYD (aqui) prometendo absorver a massa abandonada da Ford (americana) estabelecida há 20 ou 30 anos na Bahia (terra da felicidade), com investimento de R$ 3 bilhões e geração de 1,2 mil empregos. Temos agora a metade: R$ 2, 5 milhões por emprego.
Temos à disposição as quatro operações (ou apenas duas...) para dar a real sobre o absurdo que é falarmos em gerar emprego e renda, como se isso fosse a salvação nacional. Esta, a salvação, é algo muito mais complexo e certamente impossível num horizonte de tempo razoável. E não acontecerá sem uma reversão completa na desabotinada concentração da renda e riqueza no país.
Esses 40 milhões de desempregados ou detentores de empregos precários, com a relação investimento/emprego da GWM, exigem R$ 200 trilhões. Modestamente, recuperar a massa falida da Ford exige R$ 100 trilhões.
Consideremos que o PIB do Brasil em 2019 foi de R$ 7,8 trilhões. Então não precisa nem calcular para saber que, mesmo com essa relação investimento/emprego ridiculamente baixa, digamos, de R$ 100 mil, já nos coloca requerendo o investimento de R$ 4 trilhões, ou seja, a metade do PIB. Investimento desta envergadura com relação ao PIB, só na China..., numa economia chamada de socialismo de mercado e certamente uma economia em que a classe trabalhadora é submetida a uma exploração selvagem.
Parece óbvio que um outro mundo é, se não possível, certamente ultra necessário. E ainda precisamos descobrir como ele será e precisamos sobretudo de ter força para construí-lo.
DdAB