06 julho, 2012

A Construção Civil no Brasil e na China


Querido Diário:
No outro dia, falei: "Tenho pensado e vou expandir os pensamentos sobre o papel da indústria da construção, o bem-estar (?) chinês e o mal-estar europeu." Faço-o agora, em três etapas:

.a. o papel atribuído por Neill Ferguson à construção nos países capitalistas avançados
.b. o papel atribuído à construção civil na China (por mim), com base em caderno especial da Carta Capital reproduzindo material da The Economist.
.c. o que poderia ser feito no Brasil devagarzito no más (piano, piano, si va lontano).

A. A Indústria da Construção Civil e a Sociedade Civil
Neill Ferguson é escocês, como tal, chamou Adam Smith" de 'conterrâneo'. Mutatis mutandis, meu passaporte italiano dar-me-ia o direito de me declarar conterrâneo de Dante e Leonardo? Ser escocês não é tudo: Ferguson também é historiador financeiro. Seu livro é interessante, com daquelas traduções feitas por gente em certa medida desqualificada. Ainda assim, aprendi coisas interessantes, revi milhares de outras que já sabia, por razões óbvias. Sua tônica são as inovações financeiras, ao longo da história da humanidade. A primeira, claro, é a moeda, depois vêm os bancos, o crédito, os seguros, as apólices, as ações, os derivativos e os fundos hedge.

De acordo com myself, não apenas as finanças vão dominar o mundo (ou seja, 100% do PIB serão gerados precisamente no setor de intermediários financeiros, configurando o Efeito Excel) como também haverá em seu cerne uma disputa entre instabilidade e estabilidade. Tendo a crer que a instabilidade, na maior parte do tempo, associou-se a comportamentos anti-sociais por parte de agentes poderosos, inclusive com a invenção de algumas inovações financeiras. Tal é o caso dos bancos comerciais emprestando além da conta (instabilidade) e do surgimento de seu controle pela criação dos bancos centrais (estabilidade).

E as casas? Que Ferguson tem a ver com isto? A primeira transformação ocorreu do século do descobrimento do Brasil, em suas palavras, quando (p.53):

Agora o dinheiro representava a soma total de riscos e compromissos financeiros eepscíficos (depósitos e reservas) em que os bancos incorriam. O crédito era, bastante simplesmente, o total de valores e de créditos contra terceiros (empréstimos).

Na p.68, ele diz:

[...] por causa do seu tamanho imenso, e porque os grandes governos são considerados como os mais confiáveis tomadores de empréstimos,, é o mercado de títulos que estabelece a taxa de juros de longo prazo para a economia como um todo.

Disto o que eu digo é que este negócio do oba-oba nacional contemporâneo de pensar que a taxa de juros é que é o vilão do sistema é bem oba-oba. Caso a taxa de juros caia muito baixo, a taxa de lucro -responsável pela acumulação de capital, descontadas essas baboseiras sobre a poupança- também irá acompanhá-la e botará o sistema em maus lençois. E isto já vai deixando claro: quando é que o capitalista usará seus talentos para 'prever, planejar, organizar, coordenar, comandar, controlar'? Claro que quando não tiver bons rendimentos nos títulos, não é mesmo? Se o juro é muito baixo, haverá pouca movimentação no mercado de títulos e fraca sinalização para a taxa de lucro de longo prazo. E se o juro for alto? Ele infectará os custos das empresas, reduzindo-lhes os lucros.

E a p.69? Vem talvez meu principal ponto:

Do ponto de vista de um político, o mercado de títulos é poderoso em parte porque ele expressa um julgamento diário sobre a credibilidade da política fiscal e monetária de todo governo. Mas seu poder real reside na capacidade de punir um governo, com custos mais elevados para os empréstimos de que ele necessita.

Punir o governo, bem vemos, significa abalar-lhe o crédito. Mas, fazendo-o, a sociedade abala-se, pois não pode viver sem crédito às famílias e às empresas. Crédito às famílias? Olha o que acontece na China.

B. As Cidades Fantasmas na China e seus 10% a.a.
Tempos atrás, foi-me indicado um vídeo/YouTube sobre cidades fantasmas na China. Trata-se de uma cidade pronta para morar, inclusive com um shopping center ralamente ocupado. Mas não tem moradores, tem apenas uma ou duas crianças brincando na rua e um ou outro shop-keeper lá dentro (aqui). Segundo a tal matéria a que refiro da Economist, o investimento na China está chegando a 50% do PIB. Boa parte dele é construção civil (não creio ter lido quanto, mas -a julgar pelo Brasil- é mais de 40%). Então é simples fazer crescer uma economia a 10%: basta meter crédito no setor da construção civil: casas, apartamentos, praças públicas, ruas pavimentadas, túneis, pontes, centros esportivos, leitos de estradas de ferro, tudo isto.


Como é fácil crescer! Basta implantar meia dúzia de cidades fantasmas no Brasil, ou meia dúzia de túneis de tamanhos interestelares. Por exemplo, fazendo a ligação Rio-São Paulo mais palatável por trens e túneis. Por que não se faz?

C. O Brasil, o Crédito e a Inflação
O investimento representava 18,3% do PIB e o investimento em construção, 39,7% do total.Dobrar o investimento na construção civil implica:
:: elevar o PIB em 6,6%
:: elevar a importação: 7,1%
:: elevar a demanda final em 6,7%
:: elevar a oferta total em 6,8%
:: elevar o emprego em 8,2%

Aqui o lado alegre é a elevação de 6,6% do PIB e 8,2% do emprego. É dinheiro, é valor, que poderia ser incorporado à economia brasileira, em resposta à criação de mecanismos de provisão de obras. O lado pesado é que as importações cresceriam mais. Mas elas podem ser combatidas de dois lados: aumentar a eficiência do componente nacional, de sorte a deslocar o importado. Aumentar a eficiência geral do sistema, de sorte a exportar outras commodities.

Na verdade, vemos um problema não propriamente neste possível desequilíbrio no balanço de transações correntes, mas no mecanismo de crédito não inflacionário que possa levar aos primeiros passos de um gigante que bem poderia alcançar as taxas chinesas de crescimento. A verità é que, mesmo dobrando, esta parte do investimento ascenderia a meros 12,6% do total e 13,7% do novo PIB.

Voltando a Ferguson (p.260), vem o que penso ser um libelo a favor do pagamento pelo Tesouro Nacional de uma renda básica decente (hoje com R$ 1000 mensais, gasta-se apenas 40% do PIB):

Lembre:se não é possuir uma propriedade que lhe confere segurança; ela apenas dá segurança a seus credores. A segurança verdadeira vem de ter uma renda equilibrada e constante [...]."

Seja como for, as hipotecas são elemento fundamental para a expansão do crédito. Desregulamentadas, elas geram crises, mas bem atijoladas, elas permitem o crescimento a taxas substancialmente maiores do que estes 1-4% rastejantes do Brasil das últimas décadas.

DdAB
Imagem daqui.
P.S.: Hoje é 18/ago/2012 e são 16h00. Parece que já falei numa postagem posterior a esta sobre a construção civil que estava em meu inconsciente o entusiasmo que Luciano Moraes Braga tem com o tema, a indústria da construção, essas coisas. Tanto é que ele defendeu a tese cuja ficha catalográfica anexo para leitores e myself. Ela estará em breve onlaine.
Braga, Luciano Moraes.  
A resiliência do sistema financeiro habitacional : mudanças institucionais no período 1997 – 2010.  2012.  225 f. : il.  Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências Econômicas. Programa de Pós-Graduação em Economia, Porto Alegre, BR-RS, 2012.   Ori.: Conceição, Octavio Augusto Camargo.

Um comentário:

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Aêeeeeeeeeeeeee, Mário!
Fico feliz com tua aparição!!! Nâo quero insistir muito na comparação, mas a economia nazista também era de comando e, com base no trabalho escravo e outras ações escandalosas, teve performance invejável (invejável???). Viste o tal vídeo das cidades mortas? Parece que também por lá a equação distributiva é que não se resolve, mesmo com toda essa prosperidade "planificada".
Vê, please, tua caixa de e-mail!
DdAB