21 setembro, 2018

O Descobrimento do Óbvio: cooperação é bão


Querido blog:

Parece-me já ter filosofado sobre a relação entre ética e egoísmo: um indivíduo que leva os outros a crer que ele não é egoísta (ergo parece, aos olhos dos observadores de seus atos, agir de modo altruístico) terá um pay-off em seu jogo-dinâmico-de-vida-inteira maior que outros jogadores que levam os demais a desacreditar de sua retidão moral e bondade de caráter. Se a ética está em discussão, precisamos ter claro que esse indivíduo pode ser um honesto-de-ocasião, apenas esperando uma oportunidade para dar seu bote. E, pior ainda, se ele vem dando botes aqui e ali, mas nunca é descoberto ("crimes perfeitos"), sendo clara apenas sua ação mimetizadora de comportamentos altruísticos, seu pay-off será mais elevado do que seria em outra circunstância.

Tendo em mente este tipo de consideração é que Brena e eu escrevemos:

O jogo do Guri Mimado nos permite entender que em situações em que há conversações prévias a seu início, podem surgir ameaças. Com isso, é evidente que algumas delas podem não ser cumpridas, o que as caracteriza como conversa fiada, como ameaças não realizáveis (non credible threats) ou, ainda, como “ameaças vazias”. Por contraste, parece que as ameaças feitas pelo garoto mimado de que, se tiver de visitar a tia, a chamará de solteirona, martelará o rabo do gato dela e praticará outras diabruras, com as recompensas de 2Bd [duas unidades de bem-estar ou sua correspondência em dinheiro] ou 4Bd é que são eficazes, com a benção adicional de não sofrer punição por parte dos pais. Ou seja, se as ameaças serão levadas a sério ou não, depende muito da reputação pretérita que cada agente construiu ao longo da vida. Aqueles que costumam pagar religiosamente suas promessas, cumprir sua palavra e, portanto, realizar suas ameaças, passam a ser reconhecidos por essas características, o que resulta em pouca inclinação a “pagar para ver” por parte dos demais agentes envolvidos na situação. Já no caso oposto, de agentes que se tornaram conhecidos justamente por jamais honrarem a palavra dada, a situação se inverte: a tendência é que suas ameaças sejam, em princípio e por definição, não críveis. Agentes do segundo tipo estarão condenados à desmoralização eterna, caso não consigam alterar este padrão de comportamento.

in: BERNI, Duilio de Avila e FERNANDEZ, Brena Paula Magno (2014) Teoria dos jogos; crenças, desejos, escolhas. São Paulo: Saraiva.

Estamos, assim, falando nas vantagens de ter reputação de honesto. Parece que, agindo racionalmente, os agentes procurarão comportamentos altruísticos, comportamentos que façam com que pareçam honestos. Mas que dizer deste "agindo racionalmente"? Tem muito mais reflexão sobre o tema feita por acadêmicos de prestígio, como é o caso de Amartya Sen. Já falei que um dos melhores livros que já li na vida foi

SEN, Amartya (2009) The Idea of Justice. Cambridge-Mass: Belknap e Harvard.

com tradução em português (em páginas correspondentes):

SEN, Amartya (2011) A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras.

Na verdade, Sen não está falando em honestidade, mas em justiça. O substantivo honestidade e o adjetivo honesto não se encontram no índice analítico do livro e nem em qualquer outra parte do livro (que tenho um PDF da edição em inglês)! Mas eu estou pensando que descobrir o óbvio é dizer que as sociedades que se pautam pela honestidade, que encontram um ideal de justiça, têm maiores probabilidades de sucesso que as demais. E também estou fazendo outra ilação: quem age racionalmente atua com honestidade. Quem age racionalmente busca alcançar a sociedade justa.

E um ladrão, não podemos dizer que ele age racionalmente? Claro que não, claro que seu pay-off-de-vida-inteira é menor que aquele que ele alcançaria, se tivesse comportamento honesto. Claro que há exceções a esta sina. Mas uma das formas de vermos os gangsters "justiçados" é avaliar sua expectativa de vida. Sobre gangsters, li, dias atrás, um diálogo interessante na internet. Dizia uma pessoa: "Como é que, mesmo sendo proibido usar armas, os bandidos o fazem?" E a resposta veio direto: "É por isto que eles são bandidos!". Singeleza cristalina, a meu ver. Claro que comportamentos de bandidos só são compatíveis com... bandidos.

Essas reflexões me levam a pensar que o Brasil tem saída, pois, por maior que seja a impunidade, como a vemos hoje, estou certo de que isto não durará para sempre! Mas tenho um aliado para acelerar a mudança do lado tíbio para o lado reto da vida societária no Brasil. Trata-se agora da implantação do governo mundial, que vejo datada ainda para o presente século. É natural que ela venha permeada por um conjunto de instituições mais inclusivas (na linha de Acemoglu e Robinson) do que as atuais instituições brasileiras. Penso em instituições em que as injustiças da fome, da discriminação de minorias, do abandono da infância e da velhice, da misoginia sejam proscritas, como o são na maior parte dos países decentes do mundo contemporâneo.

Depois de Acemoglu e Robinson, passei a referir-me a esses países com ralo grau de decência como países de desenvolvimento intelectual precário. Neles há precariedade

. na noção de liberdade (não matar, não defender pena de morte, não reduzir a liberdade dos outros por meio do roubo ou escravidão)

. na negação da importância da origem de classe, gênero, raça, credo

. no desleixo com as preocupações sobre a desigualdade

. na desconsideração da formação de uma justiça

. na ignorância sobre princípios da moral e da ética

Então consegui firmar algum princípio: alienado é quem não acha nada, mas também é quem não pensa nas consequências do que acha sobre o meio em que circula.

E esta lição: é óbvio que os conselhos de be good, be smart etc. são maravilhosos pavimentadores da estrada da felicidade.

DdAB

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