25 agosto, 2018

Wendy e Maynard: a jornada de trabalho

(Legenda: Trabalho não mata / mas vagabundagem / nem cansa)


Querido diário:

Todos sabem que Wendy Carlin é a viúva de meu querido orientador, o Mr. Andrew Glyn? E que ela e dezenas de associados escreveram um livro cujo objetivo é recolocar a ciência econômica ensinada nas faculdades de todo o mundo numa trilha de relevância na busca de explicações para os fenômenos econômicos da realidade realmente real? Tá aqui o livro:

CARLIN, Wendy & BOWLES, Samuel, eds. (2017) The economy; economics for a changing world. Oxford: Oxford University.

Eu cheguei a anunciar lá no Facebook minha intenção de ver a obra inovadora traduzida para o português, pensando em traduzir um ou dois capítulos myself. E uma plêiade formada por amigos e interessados manifestou interesse em juntar-se a mim naquele projeto. E Jorge Ussan aquiesceu em ser o editor de toda a parada. Escrevi para a Wendy, que recebeu o e-mail com galhardia desejando-me "all best". Mas disse haver um grupo de brasileiros já tratando do tema e que a iniciativa facebookiana não iria prosperar. Até hoje não ouvi falar nada sobre a tradução brasileira.

O que fiz foi decidir ler todo o livro, que também está disponível em papel, e o adquiri de uma livraria oficial. Pois bem. É mais fácil que falar: estou lendo-o muito lentamente. Mas hoje, nada mais que hoje, estou lendo a sexta seção do capítulo 3 - Hours of work and economic growth. E, mal entrei na seção, vi a citação de Maynard Keynes no artigo que era leitura obrigatória da disciplina de Introdução à Economia que lecionei durante uns bons anos:

Em 1930, John Maynard Keynes, um economista britânico, publicou um ensaio intitulado "Possibilidades econômicas para nossos netos", no qual sugeriu que, nos próximos 100 anos, a melhoria tecnológica nos tornaria, em média, cerca de oito vezes mais ricos. O que ele chamou de 'problema econômico', 'a luta pela subsistência', seria resolvido, e não teríamos que trabalhar mais do que, digamos, 15 horas por semana para satisfazer nossas necessidades econômicas. A questão que ele levantou foi: como vamos lidar com todo o tempo de lazer adicional?
A previsão de Keynes para a taxa de progresso tecnológico em países como o Reino Unido e os EUA tem sido aproximadamente correta, e as horas de trabalho caíram de fato. embora muito menos do que ele esperava - parece improvável que a jornada média de trabalho seja de 15 horas por semana até 2030.
(página 108 do livro citado; tradução do Google Tradutor revisada por mim; original depois de minha assinatura)

Primeiro, quem lê a lapela deste blog nos dias que correm (pode mudar, como já mudou) verá que falo no projeto de renda básica universal e seu complemento serviço municipal em que a negadinha deverá trabalhar três, precisamente três, horas por dia. Tirei daqui...

Pois foi o finado marido da Wendy que me levou a entender novas dimensões do igualitarismo numa sociedade e também incorporar a defesa da social-democracia como instrumento para chegar o mais perto possível da sociedade justa. Hoje anseio pela implantação do governo mundial e a simultânea criação da renda básica universal e do serviço municipal. A primeira garante que pessoas que não desejam trabalhar ainda assim devem participar da distribuição do produto (ver aqui uma propaganda da concepção de David Harvey de sociedade justa). Cito a primeira - Desigualdade intrínseca: todos têm direito ao resultado do esforço produtivo, independentemente da contribuição.

Motivado pela formulação que David Harvey apresenta e diz estar influenciada por (David?) Runciman, criei o mais atrevido modelo de minha carreira:

Y = (H)

isto é a renda total de um país é função de seu número de habitantes, conforme demonstro aqui. Para abreviar, naquela postagem, mostrei um cálculo elementar do coeficiente de determinação entre essas variáveis em um cross section mundial do ano de 2014 (e aproximados) e encontrei o animador número de 0,61 para 181 países. Para quem não sabe, as variações na população explicam 61% das variações no valor adicionado.

Voltando: sou até mais radical que aquela cláusula da inclusão de todos na distribuição da renda, dado que não são apenas os fatores de produção que contribuem para a produção: bebezinhos e velhotes também induzem o crescimento da renda. Por tudo isto, entendo que a jornada de trabalho de três horas diárias é a chave do igualitarismo, pois haverá emprego para todos, haverá escassez de empregos e, com ela, clamores por mais progresso tecnológico, isto é, clamores por maior produtividade do trabalho. Se os governantes aceitarem a proposta de lei que fiz ontem voltada à fixação do máximo de oito alunos por turma em todos os níveis de ensino e se os professores trabalharem suas três horas diárias, o emprego no magistério de todos os níveis deve ser multiplicado por cerca de 12 vezes. Une belèze, como diz um amigo brincalhão. E que faremos com tanto tempo livre? O que os ricos já fazem hoje em dia: produzir e consumir arte e praticar e presenciar a prática de esportes.

DdAB
P.S. A imagem lá de cima saiu-me ao pedir "vagabundagem". Não autentico sua procedência. Mas selecionei-a, pois ela me faz lembrar a piada do capitalista e o caipira. O primeiro vê o segundo com uma palhinha palitando os dentes, deitado com a cabeça no cangote de uma senhora, na maior vagabundagem. Enfurecido, o capitalista indaga, em tom moralista: "Você não se cansa de não fazer nada?" O proletário redargui: "Obeviamente nóis cansemo." Um tanto dono da situação com aquela resposta, o capitalista volta ao ataque: "E que vocês fazem quando cansam?" O proletário dá sua resposta final, a fim de acabar esta piada: "Então nóis discansemo".

P.S.S. Citação original da página 108 do livro-papel:
   In 1930, John Maynard Keynes, a British economist, published an essay entitled 'Economic possibilities for our grandchildren', in which he suggested that in the 100 years that would follow, technological improvement would make us, on average, about eight times better off. What he called 'the economic problem', 'the struggle for subsistence' would be solved, and we would not have to work more than, say, 15 hours per week to satisfy our economic needs. The question he raised was: how would we cope with all of the aditional leisure time?
   Keynes's prediction for the rate of technological progress in countries such as UK and US has been aproximately right, and working hours have indeed fallen. although much less than he expected - it seems unlikely that the average working hours will be 15 hours per week by 2030.

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