23 abril, 2018

Ulysses e os Dois Heróis Modernos


Querido blog:

No outro dia, Jorge Ussan publicou uma pequena mensagem em seu Facebook:

Eu leio livros e e-books, estes em diversos meios. Com o tempo pude elencar exaustivamente os prós e contras de cada um.
Mas um dia desses me dei conta de um novo pró para os livros. Chamarei de "Efeito Ostentação".
Como exemplo a frase: Eu li esses livros e todos afirmam enfaticamente que tanto o fascismo quanto o nazismo eram de extrema-direita.

Agora me digam, qual a imagem [entre as que reproduzi acima, DdAB] dá mais credibilidade à minha afirmação?

O fato de poder estar só esnobando ao ostentar um pretenso conhecimento não vem ao caso, ok?

Várias pessoas comentaram esta filosofia literária e eu mesmo apus o seguinte, na tentativa de associar-me àquela/e/s douta/o/s comentaristas:
Faz parte do efeito ostentação uma prática a que me dedico há algumas décadas: carregar livros e jornais no sovaco, praticando a chamada cultura axilar.
Embora me declare especialista em introdução à filosofia, parece óbvio que fugi completamente ao tom científico-tecnológico da postagem eivada de filosofia literária de Jorge Ussan. Mas entusiasmei-me, por razões esdrúxulas, e reli todas as minhas traduções para o português (Brasil e Portugal) do "Ulysses", de James Joyce:

JOYCE, James (1966) Ulisses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. 957p. (Tradução de Antônio Houaiss, a que me referirei como Ulysses/Houaiss).

JOYCE, James (2007) Ulisses. Rio de Janeiro: Alfaguarra/Objetiva. 908p. (Tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, que tratarei como Ulysses/Bernardina).

JOYCE, James (2012) Ulysses. São Paulo: Penguin Classics/Companhia das Letras. 1106p. (Tradução de Caetano Waldrigues Galindo, designado adiante por Ulysses/Galindo).

JOYCE, James (2013). Ulisses. Lisboa: Relógio D'Água. 730p. (Tradução de Jorge Vaz de Carvalho, que chamarei de Ulysses/Relógio).

Todos que me leem neste blog sabem que tenho divergências cavalares com a maior parte dos comentadores do "Ulysses", pois simplesmente digo que não se trata de um romance, mas de rescunhos que poderiam gerar outras 10 novelas. Seja como for, não é comum vermos heróis ou anti-heróis irem ao banheiro. Pois foi precisamente na página 74 da tradução que acabo de nomear como Ulysses/Relógio que li Joyce falando, ao descrever comportamentos de Leopold Bloom, que acabara de fazer seu breakfast:

   Sentiu-se pesado, cheio: depois um ligeiro desprender dos intestinos. Levantou-se, desapertando o cós das calças. A gata [que o acompanhava durante todo seu café, DdAB] miou para ele.
- Miau! - disse ele, como resposta. - Espera até eu estar pronto.
   Pesadume: vem aí um dia quente. Demasiado trabalho esfalfar-se escadas acima até ao patamar.
   Um jornal. Gostava de ler na retrete. Espero que nenhum mono venha bater logo quando eu lá estou.
   Na gaveta da mesa encontrou um número antigo do Titbits. Dobrou-o debaixo do braço, dirigiu-se à porta e abriu-a. A gata subiu com saltos suaves. Ah, queria ir lá para cima, enroscar-se como uma bola na cama.
Escutando a voz dela:
- Vem, vem, bichana. Vem.
   Saiu pela porta das traseiras para o jardim: parou a escutar o jardim ao lado. Nem um som.Talvez a estender roupa para secar. A criada estava no jardim. Bela manhã.

Na retrete, meu? É mesmo a editora Relógio D'Água, não é mesmo? Não quero falar das necessidades fisiológicas de Leopold (ver nota 1). Mas interessa-me a analogia com meu hábito de carregar aqueles jornais que eram lindos nos imediato pós-1964 (Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e até um tantinho do Estado de São Paulo). Ele carregou o jornal no sovaco para o banheiro!

Mas não se pode ir a Roma sem ver o Papa Francisco, figura idílica que foi considerada por muitos apologistas do impeachment da presidenta Dilma como seu sucessor, esquecendo que Michel (Fora) Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros encontravam-se na linha de sucessão, desbancando Francisco. Ok, ok. Vamos adiante. 

Aquela parte: Um jornal. Gostava de ler na retrete. Espero que nenhum mono venha bater logo quando eu lá estou. não é mesmo parte de um rascunhão. Quem espera? A gata? Molly Bloom? Joyce? Leopold Bloom? Quero crer que é mesmo o Leopoldão. 

E aquele: Escutando a voz dela: - Vem, vem, bichana. Vem.
não é a Molly, que já tinha entrado na história e estava ela própria enroscada como uma bola na cama, onde já tomara seu café da manhã preparado por Leopold e recebera uma carta de seu amigo ("amigo", hehehe) Blazes Boylan?
E esta, é a gata, a Molly ou o Leopold? Saiu pela porta das traseiras para o jardim: parou a escutar o jardim ao lado. Nem um som.Talvez a estender roupa para secar. A criada estava no jardim. Bela manhã.
Tenho boas razões para crer que foi o Leopold M. Bloom. E um dia explico de onde tirei aquele "M".
DdAB
Nota 1: As necessidades humanas, de acordo com a classificação de Abraham Maslow:
a) necessidades fisiológicas (metabólicas),
b) necessidades materiais superiores (segurança e estabilidade),
c) necessidades sociais (reconhecimento e afeição derivados de se pertencer a um grupo), e
d) necessidades superiores (evolução pessoal ligada à busca da verdade e significado da vida).
abcz

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