09 novembro, 2017

Previdência: um jornalismo de última


Querido diário:

Todos sabemos que, em 1964, havia em Porto Alegre um jornal chamado de "Última Hora", de extração esquerdista, ainda que com formato nanico (se a memória não trai). E que foi empastelado pelos esbirros da nascente ditadura militar de apoios políticos (DMAP). E que, não mais que poucos dias depois, foi "encampada" por empresários locais. E passou a chamar-se "Zero Hora", mantendo o formato nanico que vemos até os dias que correm.

E por quê, logo hoje, tacho-a "de última"? Três considerações contraditórias:

.a diz o jornal na p.22 do editorial: "As urnas deveriam punir quem joga para a torcida e adota a confortável e populista condição de negar o inegável: que o Brasil precisa se atualizar em termos previdenciários." Parece óbvio que deveria mesmo, inclusive contemplando recursos para garantir a entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho (bolsas de estudos, por exemplo) e a saída precoce (promoção de ano sabático, aposentadoria). E muito mais coisas para dar-lhe à reforma um caráter de modernidade e lutar de alguma forma contra aquele índice de Gini da concentração da renda de mais de 0,5, que não dá no jeito de baixar substantivamente. A sociedade é desigual e um governo inflado por sabe-se lá que íncubo não quer mudar. O mundo mudou e o trabalho não é mais aquela brastemp. Sem trabalho, não há produção, lógico. Mas com o trabalho de alguns força-se o desemprego de muitos. Não há saída: a economia de mão-de-obra é o mais admirável traço do capitalismo, contrastando com sua incompetência distributiva. Esta é apoiada, adivinha por quem?, por Zero Herra.

.b na página 23, na coluna "RBS Brasília", a responsável interina pelo espaço, nomeadamente, Silvana Pires, tem na primeira nota o título "Recolocar a reforma nos trilhos", evocando, lá para o fim da nota, dizeres do sr. (Fora Temer), ao assumir o cargo da presidenta Dilma. Fala-se na tentativa de reduzir o escopo da reforma proposta por esse cara e seus asseclas. Mas não se fala naquelas questões que referi. Não lhes observamos coragem para falar seriamente em reforma da previdência, em dar uma resposta com um mínimo de decência para os problemas de emprego e desigualdade vividos pelo Brasil de que sou testemunha há mais de 50 anos. Há uns 20, caiu-me a ficha de que estamos mesmo condenados ao subdesenvolvimento. Também pudera, com estas elites e com nossa incapacidade de angariar votos para deputados e executivistas que nos liberem a implementação de programas igualitaristas.

.c mas, na página 12, a primeira matéria da coluna de Rosane de Oliveira, intitulada "O que emperra a reforma da previdência", estupefatos, lemos:
[...]
   Soa como piada falar em combate aos privilégios quando os afetados serão os trabalhadores do setor privado, que majoritariamente se aposentam com o salário mínimo. Pouquíssimos conseguem alcançar o teto de cerca de R$ 5 mil. Proporcionalmente, o grande rombo da previdência está no setor público, que terá regras iguais, mas a proposta de reforma já nasceu com exceções que minam a credibilidade. Os militares, por exemplo.

Em resumo, a reforma proposta pelo governo e apoiada pelo jornal é um arremedo e a colunista, embora tenha acertado o prego, caprichou mesmo foi na ferradura, pois invoca o exemplo dos militares, mas não fala no estamento em geral: políticos, juízes, policiais de alto coturno.


DdAB
P.S. Ouvi dizer que a criança da foto lá de cima está providenciando sua carteira do trabalho, a fim de alcançar o sonho do primeiro emprego. Se não é loiro de olho azul, é um privilegiado de mesmo porte.

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