01 agosto, 2017

Economia Brasileira Vista de Fora: Herr Sangmeister


Querido diário:

No dia 29 de julho recém ido, falei sobre uma conferência dada por Luiz Paulo Veloso Lucas, engenheiro do BNDES, em 17 de setembro de 1987, quando ele discursou sobre a construção de cenários macroeconômicos para a economia brasileira. 30 anos! Claro que não posso querer cobrar-lhe acuidade nos resultados, nem era essa minha motivação. O que achei interessante de ser trazido à consideração dos leitores deste Planeta 23 era o tipo de meta-visão, a ideologia, as premissas nem mesmo referidas que faziam parte daquele consenso de que o Brasil precisava mesmo era de industrialização.

Hoje, revolvendo aquela mesmíssima pilha de papeis que trouxe novamente à luz aquelas considerações sobre o Brasil, encontrei outra conferência a que assisti naqueles tempos turbulentos (para mim, para o resto do mundo). Estamos agora no dia 29 de setembro de 1987. Trata-se agora de um acadêmico alemão, falando no PPGE/Economia/UFRGS. Farei pequenas edições no texto de meu manuscrito:

Economia Brasileira Vista de Fora: modelo de uma crise ou crise de um modelo
Prof. Hartmut Sangmeister, bacharel pela Universidade de Berlim (?) e PhD pela de Heidelberg.

Três temas:
.a atual situação do Brasil
.b anotações sobre os problemas estruturais
.c consequências do endividamento externo para o futuro processo de desenvolvimento econômico.

Desde o início da crise, passou-se a descrer das possibilidades de desenvolvimento. Nunca se definiu claramente o que é desenvolvimento. Pragmaticamente, registra-se que apenas com novos créditos é que se poderá superar a crise. O que mostra-se com clareza é o fracasso do modelo que, nos anos 1950 e 1960, apareceu em escala mundial como um fenômeno ímpar. Entre 1970 e 1980, o PIB cresceu a 8,4% a.a., só superado pelo Equador e pelo Paraguay. Os países industrializados cresceram a 3,2%. Foi por isto que se falou em "milagre brasileiro".

Em 1982, o Brasil respondia por 10% do PIB dos países em desenvolvimento, com 3,2% da população e era a 10a. maior economia do mundo. Hoje o "milagre" está superado e chegou a hora de pagar a conta, ainda que milhões de pessoas vivam na pobreza absoluta.

Nos sistemas de mercado, só se produzem bens para os quais há procura efetiva. Logo, no Brasil, se produzem duráveis menos essenciais: TV, automóvel, poucas pessoas com salários elevados. Esta indústria enfrentou efeitos imitativos, publicidade e cria efeitos-preços.

Durante o Plano Cruzado, corria-se para adquirir TV, ao invés de feijão. Medidas de fomento na indústria de bens de capital tiveram lugar em setores da segurança nacional, como os armamentos e a engenharia nuclear. Mas havia o problema da competitividade internacional das exportações. 

Houve transferência interindustrial do capital pelo estado ao desincentivar o setor agrícola. Antes se considerava moderno apenas o setor industrial.

O golpe de 1964 dificultou e agora não sai uma boa reforma agrária. A participação do capital estrangeiro supõe que este tomará para si uma quota-parte dos lucros. O PIB crescendo menos do que o juro da dívida. Desvalorizar a moeda a uma taxa superior à inflação e arrocho salarial. Os riscos de tal terapia são incalculáveis. Teoricamente também isto não é pacífico que daria certo.

Fala-se no exterior que a discussão da política econômica é assunto nacional e não de economistas. Indaga-se por que o Brasil retardou tanto a tomada de medidas. E por que declarou a moratória unilateral.

O acréscimo no rendimento interno é errôneo supor que o mero problema de liquidez de curto prazo é causado pela retração dos fluxos de capital a curto prazo. A atual crise é sobretudo o sintoma da evolução desestruturada estruturalmente e que pode ocorrer em todo Terceiro Mundo. O crescimento miseralizante e não desenvolvimento econômico e social.

Temos 19 milhões de adultos analfabetos. 7 milhões de crianças sem escola. 20 milhões sem água e legiões de desempregados, com trabalhos ilegais e perigosos.

Exigem os credores e o FMI não debelar a pobreza, mas sim a retirada do estado. Mas aí há problemas, pois a UFRGS tem 7 mil funcionários para 16 mil alunos, ao passo que Heidelberg tem 900 funcionários e 30 mil alunos.

O Brasil é uma das mais destacadas vítimas da crença na tecnocracia, que é produzir u aparelho industrial europeu ou americano, buscando uma política alocativa.

PERGUNTAS:
Roberto Morais: qual a conexão lógica entre os problemas estruturais do Brasil e o endividamento externo?
HS: os petrodólares facilitaram o endividamento externo.

Yeda Crusius: a questão que HS colocou é a conceituação de desenvolvimento. Nos anos 1950 e 1960, quando se fez a mudança estrutural, havia tanto a ser feito que não havia apenas uma alternativa. Temos um ciclo internacional em que nossa perda de autonomia se deu quando começávamos nova política industrial. Se não através da indústria (emprego, renda e forma como estes dois elementos econômicos nos transformam). Não temos nova gestalt, logo não á outra alternativa senão uma política industrial?
HS: Não basta apenas ter vontade. Há muitos planos bonitos. Desde os anos 1950 até três anos atrás, o Brasil sempre foi importador de poupanças. Só agora começou a exportá-la.

João Rogério Sanson: o processo de desenvolvimento tem junto um processo político. Bruno Frei e outros. Ciclos. Os tenentes já queriam a modernização do país. E o problema do processo de urbanização. Não houve na Alemanha concentração urbana acelerada, pois a industrialização levou 100 anos para ocorrer.

Fim das anotações

DdAB
Ao falar em tempos turbulentos, em 1987, para mim e para o resto do mundo, dei-me conta de que o ciclo que tem explodido em uma crise a cada 10 anos desde, pelo menos, que a memória garante, esse ano, está por estourar novamente. Juro que esse novo estouro vai ocorrer no máximo até o final de 2019. E que dele resultarão, se as políticas neoliberais ainda estiverem hegemônicas principalmente na Europa, três consequências: mais inflação, mais protecionismo e mais desemprego.

P.S. a imagem selecionei-a por causa desse rodapé um tanto catastrofista. Os radicais de um vídeo no YouTube pegam muito mais pesado que eu: acham que é o próprio planeta que vai acabar. Eu, moderado refinado, penso que nem o capitalismo acaba com este tipo de crise. Aliás, já faz muito tempo que a própria crise virou mercadoria, como diria o velho Marx.

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