22 abril, 2017

Silviano, Graciliano e o Tirano


Querido diário:

Claro que tudo mundo sabe coisas sobre a Inconfidência Mineira, título politicamente incorreto, ainda mais que a banda que clamava pela independência de Brazil pra cá e Portugal pra lá foi a corrente vencedora. E o que falo nem tem a ver com o dia de ontem, dia do proto-mártir da independência. É que, tempos atrás, li o fascinante livro de Silviano Santiago sobre Machado de Assis, uma biografia forjada (e isto é elogio, uma conquista do autor). E ainda não falei que acabei de ler

SANTIAGO, Silviano ((2013, 1981) Em liberdade. Rio de Janeiro: Rocco.

Trata-se agora de um diário fictício atribuído a Graciliano Ramos, correspondendo aos três primeiros meses de vida após sua libertação. Dizem que Silviano escreve melhor que Graciliano, afirmação que mantenho sub judice, mas que o trabalho é impressionante, lá isto é. E, de quebra, levou-me a ler -no futuro próximo- e reler o próprio Graciliano. Alíás, já motivado por Silviano Santiago, acabei de ler a biografia do velho Graça escrita por Dênis de Moraes. A vontade que bate na gente é de ler mais coisas, outras biografias, depoimentos, entrevistas, as outras obras que até por irresponsável decidira não ler.

Ok, vou transcrever um longo parágrafo, vivendo esse clima do 21 de abril (aliás hoje comemora-se o descobrimento do Brazil, a invasão do Brazil pelos portugueses), o clima da inconfidência, o clima do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meirelles, que adquiri lá na terra que seria a capital da província. Então, estamos falando do autor Silviano, da personagem Graciliano e de minha referência oblíqua ao senhor Michel (Fora) Temer, que entra, superestimando suas maldades e invocações, o tirano que carreguei no título. O texto evoca, também, coisas de Curitiba...

Estamos na página 227. Copio:

   Não gosto de coisas secretas em matéria de política. Cláudio [Manuel da Costa, preso no levante da inconfidência, falecido aos 4/jul/1789 e até hoje há polêmica se foi ou não assassinado, com tentativa por parte das autoridades de falar em suicídio] atualizando arbítrio para os dias presentes e o caso Vladimir Herzog] não quis que a rebelião traída continuasse em segredo. eis a sua grande audácia. O segredo, no quadro político, só ajuda à situação. De duas maneiras, pelo menos. Como os movimentos da oposição não são do conhecimento do país, a situação pode sempre forjar planos falsos, é claro) que são comunicados à população em geral, para aterrorizá-la contra o inimigo e mantê-la em estado de alerta. Feito isso, exige plenos poderes para o governo. deem-me plenos poderes, ou o país vira uma anarquia. Diante desse dilema, a população, já amedrontada com as manobras malévolas descritas no plano falso, não tem alternativa: aceita, quando não pede, o regime de exceção. Por outro lado, como os membros da oposição não declaram as suas ideias à luz do dia, quando chega o momento da confrontação, ninguém mais sabe quem é quem, e vê-lse o espetáculo desloador do martírio d da fraqueza humana. Uns poucos são punidos com a prisão, ou com a morte, e muitos se desdizem, medrosos diante da violência e da perseguição. Resultado final: as forças oposicionistas se desmantelam, como se fossem compostas de soldadinhos de chumbo sobre a mesa. Não se chega nem mesmo ao momento da confrontação. A oposição se autodestrói, emaranhada nas cordas do segredo.

Veja só, parece hoje, parece o Brasil de hoje e de ontem e, como é o caso, de ante-ontem. Parece a Argentina da Guerra das Malvinas, parece a Venezuela de hoje, parece aquele carinha da Síria, parece tanta gente que, se cada um dos envolvidos adquirissem um livro de Santiago, este faria um estrondoso sucesso de vendas...

DdAB
E a capa do "Em Liberdade" tá aqui:
E as "Memórias do Cárcere" aqui:
... que talvez seja a primeira edição, José Olympio, quatro volumes. De minha parte, li, no final da adolescência, a segunda ou terceira edição, da própria Editora José Olympio ou do Clube do Livro. Há menos de dez anos, reli, agora em edição ou do Círculo do Livro ou de algum outro círculo editorial. Um dia, volto a esta postagem (de meu estúdio, que estou digitando tudo isto em chez moi) e arrumo estas lacunas.

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