30 outubro, 2016

Eleições 2016: the final cut




Querido diário:

Se o movimento está em baixa, nosso primeiro passo para reerguê-lo será "estudar mais ainda". A coisa aqui tá preta, pois nem sei o que sugerir para se iniciar o estudo. Mas acho que não há dúvida de que devemos incentivar a formação de grupos de estudos, de nos oferecermos a quem pudermos para formá-los e, se for o caso, participar das discussões.

Para não-economistas, atrevo-me timidamente a sugerir que um programa de estudos interessante pode começar com a concepção de sociedade justa, quando seriam lidos comentadores de John Rawls, como é o caso de Phillip van Parijs e seu livro da Editora Ática.

Para economistas, atrevo-mel timidamente a sugerir os dois volumes em que David Harvey resume os três d'O Capital. E é fundamental que se estude seriamente a teoria da escolha pública, especialmente pensando nas falhas de governo e se discutam formas de vê-las anuladas especialmente pela ação da comunidade.

DdAB

29 outubro, 2016

Eleições de Porto Alegre: o papel dos reformadores


Querido diário:

Todos sabemos que:

.a. o segundo turno da eleição para prefeito de Porto Alegre tem uma pesquisa de intenção de voto divulgada ontem, apresentando os seguintes percentuais:
.a. favorito: Marquesan com 44%.
.b. segundão: Melo com 38%.
.c. brancos e nulos: 18%.

Segue-se logicamente que:

.a. vou dirigir-me à urna, a fim de votar em Melo para prefeito de Porto Alegre.
.b. para tando vou dirigir-me à urna do Colégio Franklin Delano Roosevelt.
.c. se ficar no caminho, bebendo, no final não votarei em Melo, que bem merece o opróbio.
.d. mas que é melhor vê-lo na prefeitura a ver Marquesan, lá isto é.
.e. quanto por cento dos 38% de intenções de votar em Melo são de gente "da esquerda"?
.f. por um conhecido teorema da aritmética, 38+18=56, ou seja, se todos os votos de Melo fossem da esquerda e se aqueles 18% também o fossem, da turma que não está contente com a derrota de Luciana e Raul, o PSTU, aquelal turma, a esquerda (e quem seria, porca pipa?) teria ganho a eleição já no primeiro turno.
.g. não podemos deixar de rir a incompetência daquela turma que deveria entender das intenções dos companheiros (ou pelo menos controlar o que a macacada pensa, realizanado pesquisas de opinião sistematicamente, um amadorismo de doer). Aparentemente, os companheiros estão completamente distantes de qualquer palavra de ordem de qualquer liderança formal, quero dizer, dos partidos de esquerda.

E eu, onde foi que eu errei? Em achar que mais gente, além de mim, acharia sensato votar em Melo. Talvez ainda votem. Tal é a importância que devoto a este tipo de processo eleitoral que nem lembro se votei em Melo no primeiro turno, como cheguei a cogitar, parece que não fiquei bebendo em casa, também como levantei como possibilidade. E acho que andei fazendo um registro por aqui, mas não creio que valha a pena procurar.

Por que votar em Melo (probabilidade alta)?
Porque sou adepto do voto útil. Nem sempre o fui, mas agora sou. Azar.
Mas tem mais: evoquemos o paradoxo eleitoral (em geral as pessoas têm um custo para votar, mas o fazem, ainda que sabedoras de que seu voto não será decisivo).

Eu, conhecedor do paradoxo e, talvez, até, auxiliar do esclarecimento de uma racionalização para a ação de eleitores dos países democráticos (naturalmente não estamos falando do Brasil e de outra meia-dúzia de países abobados em que o voto é obrigatório), digo que voto para que amigos e parentes saibam que estou praticando o voto útil, por achar Marquesan ainda mais pernicioso para a democracia (?) brasileira do que o próprio Melo.

E daí? Se Melo vencer, vou escrever-lhe sugerindo:

.a. implantação da renda básica da cidadania em Porto Alegre.
.b. implantação do Serviço Municipal (adicional pecuniário sobre a renda básica.
.c. recomendar ao governo federal uma reforma tributária que, em 20 anos, mude a estrutura, fazendo a parte substantiva da receita tributária ser de impostos diretos (renda, propriedade, herança).
.d. esclarecer que uma sociedade decente (além de não ter obrigatoriedade do voto) não pode ter enormes desníveis nos níveis de consumo per capita.
.e. garantir aposentadoria integral para os trabalhadores.
.f. forçar a redução da exposição da população economicamente ativa ao mercado de trabalho (entradas tardias e aposentadorias precoces).
.e. assegurar que, nesses 20 anos, nenhum trabalhador ganhe menos que um aposentado.

Se Melo não responder, vou tentar seguir pensando na frente única da esquerda. Se responder, também. Como sabemos, comecei uma lista que até agora recebeu apoios entusiásticos e críticas acerbas:

.a. defesa internacional da proclamação do governo mundial.
.b. reforma eleitoral com voto facultativo e voto distrital.
.c. reforma política, com implantação do parlamentarismo.

Se é para prosseguir nesta linha de traços esmaecidos da filosofia política, o que me parece ser o problema mais sério nestas circunstâncias e em tantas outras que não consideramos é a obrigatoriedade do voto. Fico imaginando o que pensa um indivíduo classificado por Jessé Souza como "da ralé". Será que esta mesma sensação que agora nos sufoca (de não vermos alternativas interessantes para o destinatário de nosso voto) não o vem subjugando durante toda sua vida? E, para ele, a melhor resposta seria mesmo ficar enchendo a cara todo domingo, sem perder tempo com a "bobajada da política", pois afinal, não são mesmo todos ladrões de qualquer jeito?

E em outro problema mais delicado. Para Jorge Vianna Monteiro e seu/s livro/s de teoria da escolha pública, há sete agentes da política:

.a. o cidadão-eleitor.
.b. os legisladores.
.c. o chefe do poder executivo (eu jogaria aqui os promotores e policiais).
.d. os burocratas.
.e. os reformadores.
.f. os grupos de interesse (eu jogaria aqui a imprensa).
.g. os juízes.

Em meu caso, assim como na maioria dos leitores, o agente da política pode exercer mais de um papel. Eu, por exemplo, incluo-me na categoria dos cidadãos-eleitores e, com certa soberba, declaro também estar na dos reformadores.

Um corolário da primazia do primeiro agente (o eleitor) votar é que seria um erro considerar, em geral, 80% do eleitorado como composto por idiotas. Parece que, na maior parte do mundo democrático (quero dizer, que tem eleições periódicas, servidas por regras racionais), as ações governamentais coadunam-se com tendências à direita, pelo menos desde a dupla Reagan-Tatcher. Profundo baque na social-democracia. E Porto Alegre? Vai ganhar quem fizer mais votos: provavelmente Marquesan, do PSDB (cujas letras SD são mero jogo de palavras...). Em qualquer caso, não darei colher e votarei em Melo (se não houver contratempo). Mas derrota mesmo é daquela turma que, no primeiro turno, fez uma votação considerada (em testes qui-quadrado) ridícula.
.
É claro que passou da hora para que a esquerda/clever pare de achar que os resultados das eleições são manipulados pelos demais agentes da política, especialmente a polícia, os promotores, os juízes e a imprensa.
DdAB
Aquele Dionísio da figura lá de cima é de Caravaggio, n'est ce pas?

26 outubro, 2016

Fé de Mais: a fé de Temer


Querido diário:

Fé de mais: postei em 30/set/2013 um negócio com este título aqui. Trtava eu, naquele momento, de "minha relação com o infinito", expressão que lá não consta. Mas agora trato de horizontes bem menos dilatados no tempo: 20 anos. Ou seja, estou falando na "PEC 241", pec, de pecado, especialmente, o pecado da burrice e do puxa-saquismo ontem aprovada em segundo turno lá pela combativa/combalida câmara dos deputados.

Explico-me. A revolução que vimos na microeconomia contemporânea tem nome e sobrenome: teoria dos jogos. A rigor, a parentada não é pequena, pois o estudo dos processos de escolha estratégica penetrou praticamente todas as áreas das ciências sociais e, especialmente, a ciência política e a ciência econômica. E há dois descritores, pelo menos, para enlevar o assunto: credibilidade e reputação.

E daí? É que o governo Temer e seus acólitos não são inteligentes o suficiente para entender que o sabujismo que pensam estar praticando ao prometer pau nos gastos sociais brasileiros, desmonte dos frangalhos em que está o setor público, tudo isto não passa pelo teste da credibilidade e da reputação do governo, do setor público brasileiro, para qualquer agente (mas eles querem dizer apenas "investidor" ou, sem meias palavras, capitalista). Tivessem os governantes a reputação de seriedade, as medidas anunciadas a lei do orçamento teriam credibilidade. Não é igual a não: nem credibilidade nem reputação.

Fosse o governo decente, ele faria o que tem que fazer por meio da lei do orçamento, não sendo necessária qualquer mudança constitucional que em nada mais resulta de prático do que garantir como será o gasto público no ano que vem, e no outro, etc. E parece óbvio que esta mudança constitucional (se ainda for aprovada pelos doidivanas do senado federal) não vai durar, pois é -além dos traços da confiança e respeitabilidade- fraca em técnicas escorreitas de administração das finanças públicas.

É ter fé de mais na ideia de que reputação de sabujo atrai investimento.

DdAB

25 outubro, 2016

Marx, Marshall e o Governo Mundial


Querido diário:

O Facebook hoje em dia tem, para mim, mais utilidade que os antigos jornais. Claro que leio volta e meia os jornais eletrônicos, a dita grande imprensa (el País (preferido), Estadão, Folha, etc., onde me permitem) e os sites e blogs de esquerda (JornalJá, Sul21, Nexo, Fórum, etc.). Então, puxa pra lá, empurra pra cá, caí em dois textos muito maneiros.

PRIMEIRAMENTE (Fora Temer!)
Um artigo envolvido em uma enorme polêmica patrocinada pelo caderno Ilustríssima, da Folha de São Paulo.
Título:
O núcleo duro da divergência entre ortodoxos e heterodoxos na economia
Autores: JOSÉ LUIS OREIRO e PAULO GALA
Disponível em: http://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/10/1824987-o-nucleo-duro-da-divergencia-entre-ortodoxos-e-heterodoxos-na-economia.shtml?mobile. [para quem é assinante da encrenca, eu ainda estava numa cota de cinco unidades para o mês de outubro, de sorte a ler a materia inteira.]

Tenho acompanhado a controvérsia (que não vou nem referenciar aqui, pois não me sinto confortável com ela) e torno-me cada vez mais confuso sobre o que pensar na linha da história do pensamento econômico e da teoria econômica do século XXI. Já fui cognominado de "neo-clássico de esquerda" e eu mesmo tenho certo orgulho em declarar-me eclético. Acho que o orgulho de assim dizer-me origina-se de meu contato com meu finado orientador de doutorado, o finado Andrew Glyn, mas talvez ele até me achasse até mais eclético do que ele próprio.

Seja como for, aprendi muito com os economistas neo-clássicos (quem são eles, by the way?), com os economistas marxistas e com a dupla Marx-Engels. E mais recentemente (últimos 25 anos; recentemente?), passei a crescentemente conviver com os austríacos e com a teoria da escolha pública. Marx e Buchanan levaram-me a reviver a expressão que aprendi com Oskar Lange e falar na moderna economia política. Pois então, sou um economista político moderno.

Neste caso, que dizer de Oreiro e Gala? Primeiro, que dizem eles? Muita coisa, claro, inclusive levando-me -por instantes- a pensar em desprezar tudo o que aprendi sobre a maior ou menor adequação dos modelos à realidade (descrever, compreender, explicar, prever, recomendar) e ficar apenas na retórica. Mas destacarei apenas:

No Brasil, a expressão 'economista ortodoxo' é usualmente entendida como "economista neoclássico", ou seja, aquele que compartilha o programa de pesquisa neoclássico, definido a partir de um núcleo duro de proposições formado por princípios como a racionalidade econômica, entendida como a maximização da satisfação ou lucro, e o equilíbrio dos mercados como norma ou 'ponto de referência' para o funcionamento do sistema. Deve-se destacar aqui que esses princípios básicos do programa de pesquisa neoclássico são tidos como axiomas, ou seja, fazem parte da "visão de mundo" dos economistas neoclássicos, sendo aceitos como verdades auto-evidentes, não estando, em princípio, sujeitos a comprovação empírica.

Então de onde vêm as razões para o que acabo de justificar como a parte marxista de minha postura eclética? Pois acho que é:

princípios como a racionalidade econômica, entendida como a maximização da satisfação ou lucro, e o equilíbrio dos mercados como norma ou 'ponto de referência' para o funcionamento do sistema.

Em outras palavras, Parece-me que Marx teria sido, neste caso, o primeiro economista neoclássico da história da humanidade. E eu estaria apenas atuando como seu fiel escudeiro, mas certamente não o único.

_a nunca ouvi dizer que Marx considerava os capitalistas burros, ao contrário, dava-lhes o maior crédito quanto às centenas de ardis de que se valem para manter as subsunções formal e real da classe trabalhadora. Ou seja, neguinhos agem racionalmente, da mesma forma os consumidores, que ganham um salário de subsistência, mas que este vai comprando cada vez mais bens e serviços.
_b nunca ouvi dizer que Marx negligenciava o equilíbrio ex ante dos mercados como centro de gravidade em torno do qual gravitam os preços de mercado.
_c e é precisamente nesta linha de preços gravitando em torno do valor e da lei fundamental do desenvolvimento capitalista, nomeadamente, a lei da concorrência, que ergo (do verbo erguer) minhas preces para que Marx permaneça vivo e atuante.

A esta altura, não posso deixar de revelar a meu leitor novato que não acredito em tudo o que leio na cartilha marxista. Por exemplo, não acredito em "el derrumbre" daquele jeito que se poderia retirar do que foi escrito por Marx e Engles. Do jeito que podemos entender as coisas, a humanidade tem mais chance de fenecer por problemas ambientais, guerra nuclear ou explosão demográfica (ver Kenneth Boulding aqui) do que por sofrer da queda tendencial na taxa de lucro ou a emiseração crescente da classe trabalhadora, aquelas coisas. No outro dia, conclamei a humanidade a declarar o Haiti um protetorado do governo mundial. Poucos responderam e, por isso, a turma lá na era dos furacões segue vivendo sua vidinha de privações.

Pois é, né? Governo mundial, né? No outro dia eu falava sobre a tentativa de formação de uma frente única de esquerda no Brasil e colocava em absoluto primeiro plano para a busca do consenso novo ponto para a diplomacia brasileira: que defenda vigorosamente com todos os meios justos disponíveis a implantação do governo mundial.

EM SEGUNDO LUGAR (Fora Temer, do mesmo jeito)
Um artigo que revida o pessimismo a que a presente situação mundial nos conduz com o mais radiante otimismo originário de nossa percepção de que, afinal, há saída.

Título: AS ELEIÇÕES AMERICANAS DE 2016 COMO SINAL HISTÓRICO
Autor: João Carlos Brum Torres
Acesso: aqui. Quando? Hoje, mas o original é de 23/out, ou seja, anteontem.

Para um coroa como Brum Torres, nem me atrevo a resumir o que ele disse (diferentemente de Oreiro, que eu bem poderia ousar). Seja como for, vamos a seu penúltimo parágrafo, destacando desde já o negrito que adicionei:

Tudo bem pesado, creio que a lição a tirar do que está em questão no dinâmico desdobramento da situação histórica atual é a de que se encontra, irrecusavelmente, nas mãos das gerações presentes fazer com que as mudanças que se avizinham no padrão das relações internacionais não nos levem a uma espécie de nova balcanização do mundo, nem congelem o quadro de instabilidade e profunda desigualdade econômica e social que hoje vemos por toda parte. Nosso desafio, nossa responsabilidade e nossa tarefa é antes a de converter os abalos, as incertezas atuais no primeiro momento de constituição do sinal histórico que estamos a antever, o inicial passo adiante na direção da criação no correr deste jovem século de uma sociedade mundial ao mesmo tempo dinâmica, inovadora e também diversa, plural e, sobretudo, mais justa e esclarecida, uma sociedade mais generalizadamente capaz de oferecer aos homens condições de vida dignas e as bases materiais e culturais indispensáveis para uma vida mais feliz. Desiderato cuja factibilidade, como todos sabemos, tem como absolutamente indispensável base a prevalência da paz, seja nos contextos nacionais e regionais, seja, ainda mais importantemente, no plano das relações internacionais.

Pesando tudo muito bem, Marx é neoclássico (e eu também), Brum Torres é esquerdista (e eu também) e assim vamos levando nossas vidinhas até que a morte nos separe. Enquanto isso, vai ter muito neguinho achando que Marx odiava o conceito de equilíbrio e o volume 2 do Capital nada tinha a ver com a possibilidade de reprodução em escala ampliada do modo de produção capitalista, que ele achava os capitalistas uns burrões irracionais, essas coisas todas que ajudam milhares de livres pensadores a pensar que heterodoxia é apenas ortodoxia entre os amigos.

DdAB
Como esta imagem lá de cima não faz parte de minha tese de doutorado (já que falei em Andrew Glyn lá em cima), não preciso dizer de onde veio esta fonte, pois o Norton avançou sobre meu Google e eu, portanto, gostaria de levar à cadeia: Temer, Gates, Norton etc.
Mas dizem que pode-se fazer tudo com os tanques, exceto sentar sobre eles. Não garanto nada.

Lá no Facebook, o Prof. Christian Velloso Kuhn comentou:
Professor, fiquei com umas dúvidas, acho que porque não compreendo tanto Marx e o Capital. Segundo me consta, a teoria de Marx trata sobretudo pelo lado da oferta, inclusive os aspectos de demanda, que estariam introjetados no seu modelo. Ao invés de consumidores, haverá a demanda por bens dos trabalhadores e dos capitalistas, que sua digamos restrição orçamentária será dada pela soma de rendimentos das duas classes. É quase como na Contabilidade Social, que a soma do valor da produção é igual à despesa que é igual à renda. Porém, os aspectos microeconômicos do comportamento do consumidor são, até onde eu sei, desconsiderados na teoria marxiana, até porque seu propósito é outro. O equilíbrio entre oferta e demanda ocorre em Marx porque, ao meu ver, ele considera a demanda como algo hermético, diferente dos marginalistas, que se ocupam mais em entender o que impacta sobre a demanda de bens.

Ainda, ao criticar a teoria de Lei de Say, Marx demonstra que não se mostra válida justamente porque nem toda a mercadoria produzida é um bem de consumo final, sendo parte de bem de capital. Para validar a lei de Say, os capitalistas precisariam investir todo o seu lucro em maquinário. A luta de classes e a distribuição de renda gerariam os ciclos, que é uma demonstração de que a Lei de Say não se verifica. Aliás, vi uma citação de Mises defendo a Lei de Say que achei extremanente pueril, porque simplesmente limita o papel do dinheiro a sua função de meio de troca.

Então, professor, não sei como sustentar a tese de Marx ser neoclássico considerando esses considerandos. Acho que somente os desconsiderando ou refutando. Algo que só o professor fará bem. Minha conclusão até o momento é que Say é Mill, Marshall é Mill, Neoclássicos são Marshall, mas Marx é Marx, Kalecki é Marx, Keynes é Malthus, Mises é niilista, e eu sou Duílio.


E eu respondi:
Preciso dizer aos demais leitores que gosto mais do comentário do Prof. Christian Velloso Kuhn do que de minha postagem original. Reconheço que, uma vez que ele é doutor há menos tempo que eu, passaram-lhe pelos olhos temas e textos com que nunca sonhei. Portanto, vou falar apenas coisas transversais a suas eloquentes observações.
Inicio recuperando trecho de Oreiro e Gala que citei lá no blog:
"racionalidade econômica, entendida como a maximização da satisfação ou lucro, e o equilíbrio dos mercados como norma ou 'ponto de referência' para o funcionamento do sistema."
Para Marx e Engels, os capitalistas procuram obter o maior lucro possível (maximização, na linguagem da economia matemática dos tempos atuais). E mais: aqueles que, por desleixo ou incompetência, não conseguem alcançar o lucro máximo serão desalojados pelos que o alcançam. É nesta linha que a explicação deles para o progresso técnico deixa Schumpeter e outros no patamar da entrada à fábrica: o capitalista que não inova terá um preço inferior ao valor de sua mercadoria e, com isto, terá dificuldades em acumular capital e será, no devido tempo, absorvido pela concorrência ou simplesmente vai quebrar.
Ou seja, acabamos de ler a palavra "valor". Como se gera o valor das mercadorias? É a quantidade de trabalho médio socialmente necessário para sua produção. Se assim ficássemos em nossa investigação, poderíamos pensar que Marx ocupou-se apenas do lado da oferta. Mas devemos pensar, em seguida, na expressão "salto mortal" das mercadorias. O salto moral é precisamente o termo retórico para o comezinho fenômeno da venda. Quer dizer, a mercadoria que não tem demanda, que não é vendida, não gera valor. E o trabalho social etc. nela desperdiçado foi... desperdiçado.
É precisamente o equilíbrio entre a oferta e a demanda que determinam o próprio valor das mercadorias, como podemos perceber no parágrafo acima. É precisamente a adequação do trabalho social visto inicialmente como a abundância ou escassez de mercadorias e seus ajustes às necessidades da sociedade que nos leva a entender o processo de tentativa e erro que leva ao equilíbrio entre a oferta e a demanda das mercadorias mensuradas em preços e sua contabilidade social baseada em valores.
Obviamente o sistema não funciona navegando num mar de rosas, o sistema apresenta crueldades, a maior delas sendo a tendência a substituir trabalho vivo por trabalho morto, o que gera produtos mais baratos mas também desemprego. Além disso, esses ajustes entre oferta e demanda que determinarão o valor das mercadorias que, por seu turno, determinará os preços que se responsabilizarão pelos ajustes, poderá levar a crises, como já ouvimos falar na primeira parte do Das Kapital.
De minha trincheira eclética, vejo como o problema central do capitalismo a contradição entre a produção e a distribuição da produção. E penso que, na linha de Brum Torres, será apenas com o governo mundial que se poderá dar ampla ação para a legenda de "produção local e distribuição global". Ou seja, Santana do Livramento não precisa de ter uma fábrica de aviões voltada a gerar "emprego e renda" que permitam a seus cidadãos ir ao supermercado e comprar pão e chocolate. O que se precisa é de renda, da renda básica universal. Com ela, nem teria havido guerra na África e nem, menos ainda, aquela invasão de pobres e desvalidos à Europa, com o massacre no Mar Mediterrâneo.
Como observará o leitor atento, fugi da parte mais inteligente da crítica do prof. Christian.

22 outubro, 2016

El Imortal: um experimento mental sobre o déficit da previdência


Querido diário:

Um engraxate daqui das redondezas - chamemo-lo Borges - diz ter 24 anos, o que lhe confere - alega - a condição de adulto, segundo a Organização Internacional do Trabalho. Cálculos de uma astróloga de sua confiança garantem-lhe 100 anos de vida, ou seja, mais 76 a partir da publicação desta postagem. Outros cálculos informam-no de que um bom plano de aposentadoria poderá garantir-lhe um padrão de vida compatível com o que hoje desfruta, permitindo-lhe viver até os 96 anos de idade.

Outra astróloga tinha um cachorro (Fido) da alta sociedade que gostava muito de Borges e, por delegações sinuosas e transversas, ao falecer, deixou-lhe um dinheirinho que lhe permitiria manter-se por mais cinco anos, ou seja, os 100 inicialmente previstos pela astróloga e mais um, como o cão pôde latir, de inhapa. A relação entre Borges e Fido mereceriam por si só, uma novela. Cabe-me registar que, quando já não mais tinha direito a rações nem moradia, nem mais nada, e vivendo às escondidas seu 103o. aniversário, detetives esbeltos e competentes encontraram Borges para revelar que, por tabela, ele tornara-se um rico herdeiro, pois o cão de que falávamos fora indicado como herdeiro de uma fortuna admirável e que caberia, por testamento, ao engraxate. Imediatamente, Borges evocou uns bofes que ele mesmo cozia e cedia ao cão de seu afeto que, sempre lhe informava, iria dividir com um amigo dileto, o cão Venturoso. Só podia ser aquele cão milionário excêntrico que às vezes Borges via a acompanhar Fido.

Por mais admiráveis que sejam as fortunas, terá dito um tal José Cartapácio, de Esmirna, "de onde se tira e não se bota cedo se esgota". Pois não é que foi apenas falar e Borges começou a sentir novamente as pressões econômicas a lhe envenenarem a existência, mais especificamente falando, a nutrição. A estas alturas, houvera enormes avanços na geriatria e tornou-se claro que toda a turma poderia viver 500 anos, e até mais. Ainda durante o período de penúria vivido por Jorge, digo, Borges, já com seus 524 anos, surgiu uma estonteante inovação na geriatria, garantindo aos terráqueos uma vida de, pelo menos, 1000 anos, chegando, em certos casos a 1440. Para Jorge, digo, Borges, esta foi uma dor de cabeça e tanto, pois ele não possuía mais fundos: gastara toda a herança que, post mortem, toda a herança do cão (Fido) que herdara de outro cão (Venturoso).

Para felicidade geral da nação, os homens de 550 e até mais, trabalhavam galhardamente em seus empregos precários, ganhando seu dinheirinho e gastando-o em bebida ou comida, conforme o caso. Mas a questão que volta e meia sobrevinha à mente cansada de Borges era: "que será de mim, quando eu não puder mais catar lixo?" A verdade é que os jovens (pessoas com até dez vezes a entrada na vida adulta (aqueles 24 da OIT multiplicados por 10) que sofriam com a praga do desemprego também viviam em palpos de aranha para ingressar no mercado de trabalho, pois todas as vagas eram preenchidas por trabalhadores de 300 a 350 anos de idade.

Em torno do ano 4000 d.C., a turma toda foi conduzida a deixar o terceiro planeta de Sol, passando a habitar dezenas de plataformas espaciais tão ou mais aprazíveis que os melhores locais terráqueos: autenticava-se eterna primavera, 20 graus centígrados de temperatura, flores o ano inteiro e demais amenidades ambientais produzidas "as if" terráqueas fossem. Nesse mesmo tempo, todos os produtos alimentares e demais bens materiais eram produzidos por máquinas na Terra e carregadas por naves à plataforma que abrigava Borges e seus contemporâneos. As naves eram pilotadas à distância por jovens de 340 anos de idade, que recebiam um treinamento curto (mas intensivo em seu apoio computacional oferecido por uma equipe de androides), trabalhavam por menos tempo ainda e passavam a viver sua nova existência livres, pois redimidos, do trabalho socialmente requerido.

Pendurado no arame já há vários séculos, Borges ficou um tanto contrafeito ao ver-se votando com todos os demais habitantes do terceiro planeta de Sol, que decidiram fazer o chamado salto negro, ou seja, usar a energia domesticada de um buraco negro conhecido e evadir-se do que chamavam de universo presente, deslocando-se para outro que, embora novato, poderia situar-se num tempo pretérito, mas que garantia à turma aposentadorias ou pensões que lhes possibilitassem existência digna.

Naquele tempo, impunha-se uma pergunta filosófica: quais seriam as credenciais de Borges para prosseguir anabolizando e catabolizando (ou seja, absorver bens e serviços) em seu boudoir? A resposta fora dada muitos milênios antes, com a renda básica universal, a única forma desenhada pela humanidade para compatibilizar a maior liberdade possível garantida a todos os tripulantes da nave com os ditames de uma escassez relativa, especialmente, no que diz respeito às necessidades oximorianamente chamadas de supérfluas. Borges era livre por ser dono de seu próprio corpo, mas também por estar credenciado a uma fração do excedente de bens e serviços aportados à nave ou nela mesmo produzidos.

Perguntado sobre que achava sobre os planos aposentadoria de seus ancestrais não cobrirem mais de 78 anos de existência. Ele disse que talvez tivessem ouvido esta ideia da narração do pesadelo de um daqueles cães -desafeto de Cérbero- que tão generosamente expandiram seu horizonte de vida em algumas décadas, que se transforaram em imortalidade. E sua opinião sobre a extravagante ideia de que a previdência social deve dar lucro é rir, rir, rir, pois a vê como fora do tempo, fora de moda.

DdAB
Coloquei estes dois comentários às 21h40 de 24/out/2016 no Facebook de Dejalme Andreoli, comentando um comentário de Vera Goldim:
.a. todos envelhecerão e apenas aqueles que ocupam posições privilegiadas desprezam a ameaça da carência de recursos à vida longa
.b. cada emprego de velho está custando um emprego de jovem. E não é difícil imaginarmos um mercado (intermediado pelo governo ou pela comunidade) em que os jovens "compram" empregos dos velhos.

15 outubro, 2016

Marx e a Impressão em 3D


Querido diário:

Um bom tempo atrás, declarei-me a uma amiga. Ou melhor, declarei a uma amiga que sou especialista na primeira sentença do Ulysses de James Joyce e que cheguei a pensar em escrever meu nome como Duylyo, um y para o autor e outro para a obra. E agora me ocorrem dy Avyla e Berny. Tornar-me-ia mais realista que o rei.

A amiga pediu provas e eu a convenci facilmente, pois citei com mudanças menores o início da tradução de Antônio Houais, que ela também começara a ler em tenra idade: "Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan chegou-se ao alto da escada portando um vaso de barbear em que se entrecruzavam um espelho e uma navalha." E concluí dizendo já ter boa carga de leitura (especialização) sobre os comentadores, uma fração reduzidíssima deles, by the way. Mas não é apenas o Ulysses, como também já andei falando por aqui: "A riqueza das sociedades humanas em que rege o modo de produção capitalista é dada por uma imensa coleção de mercadorias: nelas, portanto, começa nosso estudo." É a primeira sentença de O Capital, não é mesmo?

E aqui já tem uma espantosa sutileza em minha "releitura" do príncipe dos economistas. Falei "mercadorias", com 's', no plural: se uma mercadoria (forma relativa do valor) não tivesse outra (forma equivalente do valor) para se espelhar, nem uma nem outra seriam mercadorias, não é mesmo?

E andei lendo as três introdução que Ernest Mandel fez para os três volumes d'O Capital, na edição Penguin/Pelican. Não vão nem 50cm de texto, quando ele diz: página 13 (tradução minha, mas o trecho original está lá no rodapé):

A teoria econômica de Marx e sua obra-prima, O Capital, baseiam-se numa compreensão da relatividade, determinação social e limitação histórica de todas as leis econômicas. No desenvolvimento sócio-econômico da humanidade, a produção de mercadorias, a economia de mercado ou a distribuição dos recursos sociais entre os diferentes ramos da produção por meio de 'leis econômicas objetivas' operando 'por trás dos produtores' nem sempre existiu. O Capital, explicando a origem do modo de produção capitalista, sinaliza o declínio inevitável e a queda deste sistema social. Uma teoria econômica baseada na relatividade histórica de cada sistema econômico, sua limitação restrita a um período de tempo, relembra, sem qualquer tato, os excelentíssimos senhores capitalistas, seus parasitas e seus apologistas que o próprio capitalismo é um produto da história. Ele vai extinguir-se, no devido tempo, da mesma forma como um dia foi criado. Nesse momento, uma nova forma de organização econômica vai tomar-lhe o lugar: ela vai funcionar em consonância com outras leis alheias às que hoje governam a economia capitalista.

De repente, me veio ao pensamento algo que podemos chamar de ficção científica. Assis, um rapaz de seus 1800 ou 2000 anos de idade, conhece uma das novas sócias (androide) de Anita, até então sua noiva. A androide chama-se Rachel II, mas tentando dar-lhe um caráter humano, chamam-na apenas de Rachel. Como seria de esperar em uma história de amor e morte, Rachel apaixona-se por Assis, deixando claros alguns defeitos em sua fabricação, pois "voar (o que ela faz com perfeição) é com os pássaros", mas -ao mesmo tempo- amar (o que ela descobriu ser capaz, assim como tocar piano e imiscuir-se em vilegiaturas de fino trato) é com os humanos. Assis apercebeu-se da singularidade de Raquel, também se apaixonando por ela. Tudo fica congestionado com essa invulgar união amorosa, a turma enciumada sugere que ele e sua máquina (ele quase morre de tristeza ao ouvir chamar sua doce Rachel de máquina) deem no pé, ou seja, abandonem a nave em que vivem, ele desde seus primeiro centenário e ela a menos de seis meses, quando foi produzida -por romântica e até certo ponto previsível coincidência- em uma plataforma ligada gravitacionalmente a Tétis, fazendo incursões periódicas sobre anéis do sexto planeta de Sol.

E será que Assis e Raquel (por assim escrever) poderão procriar, gerar hijitos, como diria la Suzanita de Mafalda? Raquel garante que sim, sua prodigiosa memória porta toda a enciclopédia galáctica e todas as revistas publicadas naquelas infindáveis colônias humanas. Diz ser da geração Rachel II, já testada em outras paragens, gerando humanos até mais humanos que aqueles rudimentares modelos selecionados geneticamente no terceiro planeta de Sol. Sabedor disso tudo, Assis decidiu aceitar a sugestão de alguns veteranos que "mobiliavam" sua plataforma e evadir-se, imergir na grande noite do espaço intergaláctico e formar sua própria civilização: serão os filhos de homem com, essencialmente, um programa de computador a que foi dado um corpo humanoide para operar. Homem e máquina, humáquina.

Na boda, rolou um vinho de excelente qualidade. Ao faltar, bebido que foi com sofreguidão, foi solicitado a um visitante que providenciasse de novas garrafas, quando os convivas testaram um dos melhores vinhos de que a humanidade pode lembrar-se. Ato contínuo, os 25 padrinhos de Assis e Raquel mandaram imprimir sua nave, inicialmente projetada para abrigar apenas eles dois, mas dotada de 20 androides de duas ou três gerações inferiores a Raquel, pois ambos gostavam de jogar ludopédio, um jogo muito popular no terceiro planeta dois milênios atrás. Tudo tudinho foi impresso em 3D, de sorte que a nave chegou praticamente pronta para uso, desde refletores de raios nocivos a escovas de dentes, faltando apenas as caixas de rádio, que lhes foram dadas com zelo pelos ancestrais de Assis.

Quando a população aumentasse, com novos migrantes, ou filhos, Assis e Raquel imprimiriam novos módulos e seguiriam em comboio rumo a Vega. Tal circunstância era mais que óbvia, pois Assis era muito chegado a sua família e gostava de cultivar-lhe a história. Por isso as 12 caixas de rádio que lhe foram dadas seriam guardadas no coração da nave, como o mais precioso de todos os objetos a bordo. Com essas caixas verdadeiramente milagrosas, rastreavam-se, em incontáveis distâncias espaciais, os neutrinos associados a configurações cerebrais de quem bem eles quisessem. Mesmo tendo convivido com tantos androides duplicando parentes de gerações anteriores, nada impedia que replicassem tanto os já resgatados quanto algum ou outro que teriam ficado para trás por diversas razões, desde a condição de espíritos atribulados quanto a simples omissão deliberada.

Naves em 3D e caixas de rádio, maravilhas tecnológicas que praticamente não requeriam trabalho humano para serem concretizadas. Se é que um e-mail enviado pelos padrinhos ao computador central de Tétis pode ser considerado "trabalho", então aquela nave incorporava trabalho humano, mas o ancião Carlos Marques garantiu que bilhetes por e-mail não configuram trabalho, especialmente, quando se trata de criar surpresas para serem presenteados em festas. Gerar utilidades, como escovar os próprios dentes, nada tem a ver com o já extinto mundo das mercadorias, que ficaram para trás, com seus históricos produtores e distorções que elas criavam na própria base da vida societária. Um tanto prá lá de marraqueche, Assis indagou a Raquel se ele era um fetichista, por estar adorando uma máquina. Ela disse que o verdadeiro fetichismo ocorria, naquele tempo antigo, quando um humano trocava dinheiro por alguma mercadoria de seu agrado, mas não se dava conta de que a troca ocorria em termos de unidades de trabalho socialmente necessário. Satisfeito com esta nova lição de história da humanidade que lhe pespegara Raquel, Assis dirigiu-se à copa, quando viu a nave. Impressa, deste modo, a nave nupcial de Assis e Raquel, eles nela embarcaram e foram felizes para sempre.

DdAB
Imagem: home-made, com um printscreen daqui.

P.S. o texto original está aqui:
[...] Marx's economic theory and its crowning work Capital are based upon an understanding of the relativity, social determination and historical limitation of all economic laws. In the socio-economic development of mankind, commodity production, market economy or the distribution of social resources among different branches of production by 'objective economic laws' operating 'behind the back of the producers' do not always exist. Capital, explaining the origins of the capitalist mode of production, points towards the inevitable historical decline and fall of the this same social system. An economic theory based upon the historical relativity of every economic system, its strict limitation in time, tactlessly reminds Messrs the capitalists, their hangers-on and their apologists that capitalism itself is a product of history. It will perish in due course as it once was born. A new social form of economic organization will then take the place of the capitalist one: it will function according to other laws than those which govern the capitalist economy.

P.S.S. O mundo das mercadorias já estava sendo ameaçado e, com a tecnologia que permitirá imprimirmos de tudo, até bifes acebolados e arroz soltinho, navalhas de barba e naves espaciais, será definitivamente sepultado. Mas mesmo assim não podemos descartar que haverá piratas espaciais, em suas naves, querendo afanar coisas das outras naves. Se eu tiver tempo, num certo futuro, contarei qual será a motivação desses descendentes dos políticos brasileiros do século XXI.

12 outubro, 2016

Voto Útil, Voto Burro: recados da ralé


Querido diário:

Parece óbvio que estou falando das eleições municipais em Porto Alegre a ocorrerem em futuro próximo, o horário de verão, que entra em vigor no próximo domingo e do estrondoso livro

SOUZA, Jessé (2016) A ralé brasileira; quem é e como vive. 2ed. Belo Horizonte: UFMG.

O primeiro traço de uma resenha bibliográfica deste estrondoso livro é dizer que ele, por incompetência dos editores e talvez até leniência dos autores (Souza et al.), não tem índice analítico. Eu queria a definição de ralé e tive que ralar até agora e ainda não sei. E vou citar em seguida umas considerações estrondosas que, para citar o nome do capítulo, tive que ficar folheando ad initium, pois não o/s tem no topo da página ou em seu rodapé, coisa que os bons livros das boas editoras devem exibir. Então, dois traços: não tem índice analítico nem identificação do capítulo ao longo da leitura.

É que esta resenha bibliográfica está ocorrendo avant la lettre, ou seja, ou melhor, em outras palavras, estou falando de uma coisinha que me apareceu aos olhos durante a leitura de contato. Então não é resenha bibliográfica, mas apenas falar sobre os recados da ralé no primeiro turno das eleições municipais de 3 de outubro. Parece óbvio que os 10 milhões de votos perdidos pelo PT relativamente à eleição anterior, quando o Brasil tinha no mínimo 5% a menos de população, é prova de um estrondoso fracasso, fracasso do PT, vitória do juiz Moro, da rede Globo, do Eduardo Cunha, do ministro Gilmar Mendes, óbito de Gilmar, campeão de 1958, essas coisas.

Andei anunciando que iria votar em Sebastião Melo, para não dar o prazer da vitória eleitoral para Nelson Marquesan Jr. E agora já vi que, enquanto os partidos de esquerda, ou até mais consentaneamente, os integrantes dos partidos de esquerda, não tiverem um instituto de pesquisa de confiança (e por que não fazer um?), nunca saberemos quais serão as candidaturas ridículas, como o foram as de Raul Pont e sua amiga Luciana Genro. Vergonha, como é que pode políticos profissionais e suas entourages errarem tanto quanto a suas perspectivas eleitorais? Parece óbvio que Nelson Marquesan já ganhou. Eu e meu caráter amador de entender da política partidária/eleitoral brasileira nos deixamos enganar ao pensar que votando em Melo evitaríamos o que me parecia o mal maior, ou seja, a assunção de Marquesan ao estrelado executivo. Pois meu voto útil poderia ser designado como voto burro: como é que não se sabia que Marquesan iria ganhar? Moral da história, agora declaro a verdade: imagino que nem sei o que farei no dia da eleição, sendo provável que nem compareça (fique bebendo em casa), afinal, estas são as últimas eleições em que o voto é obrigatório para mim.

Em compensação, transcrevo trechos do capítulo 12 do livro editado por Souza, citando as páginas 326-327:

FREITAS, Lorena. A instituição do fracasso; a educação da ralé. p.325-351.

[abre aspas]
A miséria obrigava sua mãe, Dona Luzia, a trabalhar o dia inteiro, e Juninho pouco a via. Nos momentos em que ela estava em casa era cuidando da roupa, da limpeza ou da comida. Além disso, agredida demais pela vida, era impossível para ela uma relação com os filhos pautada pelo respeito mútuo, pelo carinho e pelo cuidado. Seus próprios pais não souberam tratá-la desse modo, como então poderia ensinar aos filhos algo que jamais teve a chance de aprender? Ela nunca fora amada pelos pais como um indivíduo único que merece respeito e cuidados. Desde menina foi 'entregue a si mesma' e muito cedo aprendeu a dureza da vida, tendo que aprender a 'se virar sozinha'. Apesar de nunca ter podido dar aos filhos carinho e compreensão, ela fazia o que podia para manter a casa limpa, para botar comida no prato e lhes ensinar a não 'mexer nas coisas dos outros' e nem se 'meter com coisa errada'. Foi a influência de Dona Luzia que fez com que nenhum de seus quatro filhos, a despeito da vida que tiveram, caísse na delinquência.
[...]
Devido a isso [no parágrafo que omito], esses familiares costumam naturalizar o desinteresse e a indisciplina das crianças na escola 'porque criança gosta mesmo é de brincar' e a disciplina que os estudos exigem é vista como algo antinatural, pois vai de encontro à 'liberdade natural' das crianças. Essa 'liberdade natural' é, na verdade, fruto de um modo de vida que exige pouco controle dos impulsos e que, por isso, não prepara  as pessoas com a disciplina e o autocontrole suficientes para um bom desempenho no mundo escolar e, posteriormente, no mundo do trabalho qualificado. Apenas os sujeitos que tiveram uma socialização capaz de desenvolver neles uma identificação afetiva com o conhecimento, concentração para os estudos, disciplina, autocontrole, e capacidade de pautar suas ações no presente a partir de um planejamento racional do futuro são capazes de incorporar conhecimento para se inserir no mundo do trabalho qualificado e ser úteis e produtivos à sociedade. [...]
[fecha aspas]

Cito: "identificação afetiva com o conhecimento, concentração para os estudos, disciplina, autocontrole e capacidade de [...]." De sua parte, esse [...] que acabo de usar para interromper a fala da autora do capítulo bem merece o que volta e meia relembro: a educação te permite descobrir quais são teus objetivos na vida e te dá meios para lutar por eles.

Claro que estou falando das eleições, do voto útil e da triste sina da esquerda num momento como o que ora vive o Brasil e seus 205 milhões de desvalidos. Claro que estou falando da PEC 241: rever substantivamente o lado da despesa no orçamento federal apenas em 2036. É, 2036. É o tamanho da desfaçatez. E dedico a passagem da dona Luzia àquelxs que acham que o lugar de educar é na família e que a escola deve ensinar apenas as quatro operações, os quatro pontos cardeais e as quatro estações do ano: quadrúpedes.

DdAB
Imagem daqui.

04 outubro, 2016

D Day: dia dois da derrota


Querido diário:
Pois então. Roberto Wiltgen encaminhou-me para o link que deixo em seguida, em extraordinária entrevista 'fonada' com Olívio Dutra. O único problema é que os entrevistadores é que queriam ser entrevistados e o interrompem umas 314.158 vezes. Mas tenque ler!
Preciso dizer mais? Acho que apenas dois pontos:
.a. não quero socialismo. No máximo, quero reformas democráticas que possam conduzir a ele. Costumo dizer que o capitalismo acabou há mais de 15 dias, não estou satisfeito com o presente sistema. Ainda assim acho que a humanidade não deve pensar que detém o segredo da criação de um sistema econômico. Minha analogia predileta é com o esperanto (e outras línguas artificiais): claro que não poderia dar certo.
.b. a certa altura das 314.158 interrupções, indagam a Olívio que ele diz sobre certa corrente, certo vozerio, que diz que tem gente saindo do PT e criando novo partido. Ele é categoricamente contra. Eu, que não sou fundador, nem fui associado e nem sempre fui ampliação, até acho que o melhor mesmo é começar tudo outra vez. Segue o baile com reforma ou revolução. Acho que, a exemplo do PCUS, não tem mais saída, não tem mais conserto. Mas quem sou eu para achar que posso ter, ainda que por uma ínfima questão, mais qualidade que Olívio?

DdAB
O link está aqui. E depois comentei:
 Duilio De Avila Berni Notate bene: se criarem um novo partido, ainda assim, talvez eu siga apenas com meu ativismo de sofá. Mas não entrarei num partido que recuse meus pontos:
A. Políticos
.a. voto universal, distrital e facultativo
.b. parlamentarismo
.c. defesa do governo mundial.
B. Econômicos: reformas fiscal (tributária e do gasto), rumando para a sociedade igualitária.


P.S.S. Também li com muito proveito e deixo registrado aqui para meu próprio uso o comentário de Rosana Pinheiro-Machado, no Facebook: dia 3/out/2016 às 19:20. Cheguei a ele por meio de um link de Roberto Rocha.
Por uma Frente de Esquerda transversal
(amadurecendo discussões)
Passadas a surra nas eleições, diversos grupos estarão discutindo as possibilidades de uma frente de esquerda, a reorganização da esquerda, seja lá o nome que damos a isso.
Em minha opinião, a dificuldade toda da discussão passa por uma conciliação de Rede, PSOL, PT, PCdoB, a qual dificilmente ocorrerá. São diferenças gritantes. Então, o debate anda em círculos e há muito de política tradicional disfarçada em frente ampla. Ou seja, a tal da frente ampla acaba sendo, no fim das contas, uma coligação. No meio desse debate infecundo, situam-se os mecanismos tradicionais de "quem vai puxar esta frente". O PT já teria a máquina, outros alegariam que é uma máquina zumbi.
É preciso pensar fora da casa. Uma frente de esquerda não deve ser partidária e dialogar amplamente com os coletivos e movimentos sociais. A frente precisa ser transversal ancoradas em um projeto socialista no Brasil com eixos claros para uma política econômica que discute austeridade, direitos sociais, questões urbanas, cultura. Eixos temáticos construídos coletivamente pelos movimentos sociais.
Não é possível rejeitar a política institucional porque a tendência é termos cada vez mais bancadas conversadoras e, nesse cenário, o papel dos movimentos sociais será exclusivamente apagar incêndio do corte de direitos adquiridos. É preciso sim ocupar espaços no legislativo e para isso não é preciso criar um novo partido.
É possível lançar candidaturas, para diversos partidos, a partir de um grande movimento transversal de base. Algo parecido com o que ocorreu com a bancada ativista em São Paulo, que reuniu candidatos de vários partidos, que compartilhavam uma trajetória comum de ativismo.

A política partidária pode ser um ponto de chegada, de alguns membros, e não de partida. O ponto de partido deve ser o diálogo da construção coletiva de projetos de novos Brasis. O debate está errado. Não é um novo partido que precisamos lançar, mas um projeto popular, coletivo e solidário que se reconecte com as camadas menos privilegiadas.


03 outubro, 2016

O Brasileiro, Tosco e Bizarro: foi às urnas ontem


Querido diário:
Ontem não escrevi, anteontem escrevi um título assemelhado. Hoje nem saberia o que dizer, exceto obviedades válidas para todo o Brasil e, se falarmos em desunião, também especificamente para Porto Alegre::
.a. a esquerda está brincando de aguçar as contradições do capitalismo, antes de dar nele seu bote final,
.b. o PT converteu-se num pequeno partido,
.c. na figura lá de baixo, consagraram-se, em Porto Alegre, os votos brancos, nulos e abstencionistas, vencendo o primeiro turno.
.d. a esquerda, na tentativa de aguçar as contradições internas, e mal computando, deu os seguintes vexames: PT, 117225; Psol, 86352; PTB, 97939 e PSTU, 2554; Subtotal, 304070. O PSTU não elegeria nem mesmo um vereador (o último colocado, Obiloni, fez 3569 votos)..
.e. pensando no futuro, sei que há várias possibilidades para a esquerda porto-alegrense.
Destaco:
.a. não ir votar
.b. ir votar nulo
.c. ir votar em branco
.d. ir e votar em Marchezan
.e. ir e votar em Melo.
Destaco-me: irei, votarei, voltarei, não morrerei na guerra, isto é, votarei em Melo, pois -depois de abstinência e voto nulo, além de voto em nulidades- decidi reabraçar o voto útil. E será útil?

DdAB

01 outubro, 2016

O Brasileiro, Tosco e Bizarro: vai às urnas amanhã


Querido diário:

Tosco e bizarro? Claro que será ele, himself, herself, que decidirá as eleições. Mas não pude conter-me e decidi -decididamente não é para influenciá-lo, pois ele mal sabe ler e, se soubesse, não saberia que é a ele que estou me dirigindo. E de onde tirei este "tosco e bizarro"? Foi uma conferência que o professor Sarmento Barata deu no Colégio Júlio de Castilhos, digamos, no final do ano de 1965, essencialmente sobre literatura e política e anunciando sua despedida do sul, migrante que foi para São Paulo. Prenome?
Sobre "as eleição", é que já andei falando ser praticante do voto útil, voto majoritário, bem entendido. Nem vou falar no voto para vereador, quando a inconsistência do voto proporcional manifesta-se com toda clareza: como é que posso votar num vereador que se preocupa, digamos, com o bairro Navegantes, quando sou morador do Menino Deus? Como é que posso votar num jogador de futebol que jamais olhará para minha cara, pois mora no extremo sul da cidade de Porto Alegre? Para prefeito, felizmente, o que temos é o voto distrital, mas o absurdo, no caso, é que o voto é obrigatório.
Como é que alguém pode pensar que "a maior liberdade possível desde que compatível com a dos demais" me é assegurada nesta sociedade brasileira contemporânea, quando me obrigam a votar? Em que minha abstinência prejudicaria ou tua própria abstinência ou tua inclinação a votar?
Então para prefeito, embora esteja absolutamente insatisfeito com a coleção desabotinada de candidatos "de esquerda", vou escolher Raul Pont. Ora, nem posso dizer estar me valendo de razões pessoais (embora, lembremos, ele foi o "reitor da universidade crítica - o MUC que me acolheu enquanto calouro da faculdade de economia da UFRGS no ano de 1968), pois acho uma cara de pau ele ter aceito ser candidato. Renovação? "Comigo, não, violão", algo assim.
DdAB
Imagem: voto obrigatório é o fim.