27 setembro, 2016

Um Gráfico Micro e Macro, Ex Ante e Ex Post


Querido diário:

Em meus tempos no ensino de Introdução à Economia (santificada disciplina, que me leva a escrever as iniciais em maiúsculas) e mesmo em outros ambientes, como bares, festas de aniversário, prática do jogging, quando me indagavam o que é a ciência econômica, eu já dispunha de um plano, fruto de incontáveis reflexões no bar, na festa, na pista, etc.

Indo direto ao cerne de uma polêmica centenária, costumava/costumo dizer tratar-se do exame da adequação dos recursos produtivos disponíveis na sociedade -especialmente o trabalho- a suas necessidades materiais. E já vou mostrando direto a figura que nos encima. [No caso de estar praticando o jogging, vou correndo, meu acompanhante também o fazendo, mas dou uma paradinha e, num cantinho de um canteirinho, desenho precisamente este mesmo gráfico].

Essa figura, lá de cima, tem quatro painéis, deixando-se ler ao longo das linhas ou ao longo das colunas. Olhando na horizontal, os dois painéis exibem apenas um ponto lá no meião do gráfico cartesiano.

O primeiro painel tem no eixo horizontal (das abscissas) a quantidade transacionada no mercado de uma determinada mercadoria, fazendo-se acompanhar, no eixo vertical (das ordenadas) de seu correspondente preço. Diz-se que ela representa uma situação de equilíbrio planejado (também designada como ex post), pois estamos falando de algo que aconteceu, pretérito perfeito, aconteceu no passado, acabou, findou-se. E, neste caso, tudo o que foi vendido pelo produtor igualou-se de modo idêntico a tudo o que foi comprado pelos compradores. Então podemos ler que, naquele pretérito perfeito, que foram adquiridas cinco unidades de certa mercadoria, despendendo-se para cada quilo precisamente um dinheiro D$. O par (1, 5) diz precisamente isto.

O segundo painel da primeira linha tem a mesma figura, ainda que com contornos diversos. Agora, no eixo horizontal, vemos o produto interno bruto, ou seja, o resultado líquido da produção de todos os quilos, litros, sacos, unidades (como sessões de cinema, consultas médicas, hospedagens em hotéis) que a região alcançou em determinado período. No eixo vertical, temos o nível geral de preços ao qual atribuímos o índice 1, dizendo que, naquele ano, os preços foram tomados como suas próprias referências, portanto, gerando esse índice unitário. E que nos diz o par (5, 1), que, com os preços vigentes no ano considerado, a economia produziu D$ 5 trilhões. Chamamos a esse par de equilíbrio realizado (ex post), pois a oferta agregada foi identicamente igual à demanda agregada. Tá na contabilidade da economia, tá tudo escritinho, cada venda para quem, cada compra de quem.

Passemos agora ao exame das colunas da figura. Vamos iniciar considerando o painel 2,1, ou seja, o da segunda linha e primeira coluna. Antes faláramos que o painel situado acima deste 2,1 mostra a situação em que a empresa vendeu cinco unidades, cobrando um preço de D$ 1 por unidade, situação ex post. O fato extraordinário deste vetor [5 1] é que houve coincidência entre as ações de compra e venda, ou seja, tudo o que foi vendido igualou tudo o que foi comprado. Diz-se que, neste caso, houve equilíbrio. E como é que poderia ter sido diferente? Algo que foi comprado não terá sido vendido? Roubado? Claro que não, pois tudo o que foi comprado mais tudo o que foi roubado iguala identicamente tudo o que foi vendido mais o que foi perdido por roubo. Não pode ser diferente, não pode dar outra hipótese que não a identidade entre compras e venda.

E daí? Daí é que esta dualidade básica das economias de mercado, dizendo que as vendas foram iguais às compras, inspiram-nos a pensar em duas coisas para amanhã:
.a. quanto será vendido (e, em o sabendo, saberemos quanto foi comprado)?
.b. saberemos, depois de amanhã, quanto foi vendido e comprado.

Então, já que soubemos o de ontem e amanhã saberemos o de hoje, não é difícil imaginarmos que poderemos também adivinhar os valores a serem comprados e vendidos hoje, valores concernentes aos preços e à quantidades. A forma usual de fazermos estas adivinhações será adivinharmos ("estimarmos", diria o estatístico econômico e seu amigo o econometrista) uma função matemática que passe pelo ponto conhecido de ontem e permita associarmos diferentes quantidades com correspondentes preços que mostram como reagem os compradores e os vendedores a esses referidos níveis de preços.

Ou seja, estamo-nos vangloriando de sabermos adivinhar as equações daquelas curvas que no painel 2,1 batizamos como curva de oferta da empresa e curva de demanda da empresa. O ponto antigamente chamado de portador das coordenadas (5,1) agora é apenas um entre muitos, muitos, muitos outros. E até pode ser que, por exemplo, se o preço fosse 0,75 e não aquele 1, houvesse diferença entre as quantidades demandada e ofertada, e diríamos tratar-se de um excedente de demanda, pois o preço de mercado localizou-se abaixo daquele ponto (5,1), que é o ponto de equilíbrio já assinalado anteriormente.

No painel 2,2, passamos a examinar o lado "de toda a economia", configurando a macroeconomia. Mas agora vemos com mais força a analogia estrondosa entre a microeconomia das figuras da coluna da esquerda e as da macroeconomia da direita. Por que a oferta é positivamente inclinada? Pois, à medida que o PIB vai crescendo, para cada nível de utilização da capacidade instalada na economia, há pressões de custos sobre os preços e estes sobem. E por que a demanda é negativamente inclinada? Pois ela resulta das curvas de demanda individuais, quando se mostra intuitivo que preços baixos incentivam compras e preços altos as racionam.

A estas alturas da aula, da mesa de bar ou do aniversário, já falei tanto termo técnico que até dá gosto: oferta, procura, agregação, equilíbrio, ex ante, ex post, e também estrutura, sistema e modelo. Tento explicar cada um deles, mas sugiro que o bom mesmo é ficarmos com as intuições que podem ser reforçadas com a leitura desses verbetes em um dicionário convencional. Tudinho na internet. Se a turma quer saber de exemplo de um modelo, tenho duas saídas. Ou faço as equações das duas figuras da segunda linha, ou desenho o fluxo circular da renda.

DdAB
P.S. Um caixa do supermercado em que adquiro minhas cangebrinas indagou o que quero dizer com aquele D$ 5 trilhões escritinhos lá nos dois painéis da coluna da direita do gráfico. Trata-se, respondi com alegria, de quantidades monetárias, um artifício que imagino ter sido criado por Wassili Leontief, no contexto de seu modelo de insumo-produto. Não podemos somar um navio com um par de cadarços, mas se declararmos que o navio tem o preço de D$ 1 e o cadarço também, então o valor de D$ 1 x (soma, soma, soma, soma, ..., até que chega a 5 trilhões). Por exemplo, D$ 1 x 5 trilhões = D$ 5 trilhões. Quer dizer, a cifra monetária passou a ser uma quantidade, cujo preço é a unidade. Ele olhou para a nota fiscal, só com cachaça, e achou tudo muito natural, as compras e a explicação.

2 comentários:

Fabio Cristiano Pereira disse...

Eu faria o Fluxo Circular da Renda, eternamente!
É o que mais gosto de mostrar, para pessoas que se atrevem a falar de Economia, como se fosse de seu time de futebol, ou então repetindo as mentiras da Globo...
Aliás, eu deveria ter sempre comigo, umas folhinhas em tamanho de bloco de notas, com os desenhos prontos!
Seria mais útil do que aquele bando de pessoas distribuindo panfletos dos candidatos à prefeitura... (eca)
Grande quarta-feira, Mestre DdAB!

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

Aêee, Cristiano:
O interessante da história é que a essência da postagem com a micro e a macro, os equilíbrios realizado e planejado, tudo aquilo seria uma preliminar para falar que acabamos de modelar as funções de oferta e procura da empresa e de toda a economia. E o próximo passo seria exatamente dizer que um dos modelos mais tradicionais (fisiocratas e Frank Knight) é o fluxo circular da renda. E, claro, iria meter minha colher, dizendo -na linha do livro de mesoeconomia- que o verdadeiro fluxo circular é o meu (hehehe). E aqui tá ele: http://19duilio47.blogspot.com.br/2016/08/ontem-na-fadergs.html