18 abril, 2015

Vida na Esquerda: definição


Querido diário:

Quinta-feira que passou, falei sobre minhas diferenças com aqueles classificados de carteirinha como neo-liberais. Tinha em mente a postagem que faço agora. Com efeito, andei envolvendo-me em umas discussões sobre o que é ser "de esquerda". Tem gente que diz que este tipo de diferença desapareceu: todo mundo é igual perante o dinheiro. Eu argumentei que, entre ladrões de direita e ladrões de esquerda, andei votando nos de esquerda. Claro que precisamos definir, et pour cause, o que é esquerda. Precisamos (os de esquerda) construir um projeto igualitarista para a sociedade mundial do século XXI.

Minha visão original é que esquerda significa igualitarismo (a rigor, a definição de Rawls para isto: liberdade em primeiro lugar). No outro dia (terás visto aqui no blog?), li um artigo cujo autor falava em "empatia", acho que faz parte. Ser de esquerda é ter empatia pelo ser humano, pelas minorias e mesmo pelas maiorias, claro. E nutrir este celebérrimo sentimento especialmente com relação aos menos aquinhoados. Isto significa que ser de esquerda tem um significado fortemente assente sobre a eliminação da desigualdade econômica, mas que vai além dela. 

Por falar em "econômica", para fins econômicos, entendo que a sociedade agrega preferências por meio de "organizações", das quais destacam-se três


mercado - estado - comunidade

sabendo-se que cada uma delas apresenta suas falhas que impedem o funcionamento pleno sob o ponto de vista da racionalidade e da eficiência. Isto significa que, em boa medida, uma sociedade de esquerda terá como base a concepção de que o PIB (ou melhor, o consumo per capita) deve ter um movimento ascendente.

Não chega a passar um mês sem que eu cite a definição de sociedade justa criada por John Rawls: a maior liberdade compatível com a dos demais, empregos públicos abertos a todos e manejo da desigualdade beneficiando os menos aquinhoados. Isto resolve o problema da sociedade justa, não o da esquerda... Mas lhe dá certo alento: uma sociedade de esquerda não pode ser injusta, não é mesmo?

Se bem que nesta cláusula das formas de lidar com a desigualdade já comece a transparecer o que vim a qualificar como "de esquerda": igualitarismo. Claro que é preciso adicionar aquela cláusula da liberdade e talvez até uma cláusula de que queremos a sociedade igualitária com renda per capita crescente. Em outras palavras, queremos ver reduzidas diferenças no consumo per capita que deverá ser crescente ao longo do tempo, descontando o blim-blim-blim do ciclo econômico. Ou melhor, de tudo faremos para combater o movimento cíclico extremado que poderia levar o consumo per capita a sofrer choques temporários, contra arrestando o investimento.

Ser de esquerda não implica a obrigatoriedade de apoio a um projeto socialista. Tenho citado Gerônimo Machado que sustenta que não queremos o socialismo hoje, mas as políticas (pessoais, sociais e governamentais) que levam a ele. Com efeito, a definição de sociedade justa de David Harvey (aqui) ajuda a resolver a parada. 

Na aba do blog, apresento minha equação de salvação da humanidade:

.a. mente quieta com três horas de aula por dia
.b. coluna ereta com exercícios físicos
.c. coração tranquilo com trabalho comunitário

Lá na aba, falo naquela Brigada Ambiental Mundial, pois preocupa-me muito mais o clube dos desvalidos do Congo do que da Bélgica, os do Paraguay do que os da Suécia, os do nordeste do que os do sul do Brasil. E talvez, se parar de beber, possa escrever um livro que se intitulará "Dois Subornos", um para incentivar a negadinha a ficar em casa (renda básica) e outro para incentivá-la a sair de casa (salário mínimo). Ou seja, algo como a renda básica prá um lado e o salário mínimo prô outro. Em outras palavras, quem não pode (ou não quer) ambicionar posições confortáveis no mercado de trabalho ganha a renda básica universal que nunca será apenas uma migalha. Ser-lhe-á paga uma grana que não faça seu consumo ser muito inferior ao dos mais bem aquinhoados.

E que mais ajuda a montar a sociedade igualitária? Certamente coisas que muita gente da esquerda EE (isto é, esquerda equivocada) discorda: fim do estado nacional. Isto significa, por exemplo, a existência de um banco central mundial (já existe o proto-banco, o BIS), de busca de uma moeda mundial, de livre-cambismo, justiça administrada pela Corte Internacional de Haia (aquelas coisas...), um blim-blim-blim com poder de polícia, aquelas coisas.

Então, que é mesmo ser de esquerda?

:: ser de esquerda
. é ser internacionalista e não nacionalista (logo falar em políticas protecionistas é heresia),
. é ser pela paz e não pela guerra,
. é desprezar as teorias da grande conspiração,
. é ouvir com bonomia os discursos de organizações econômicas alternativas a o capitalismo, como dinheiro paralelo, as cooperativas de produtores, Mondragon, economia solidária, (na linha de não contrariar louco...),
. é querer reformas democráticas que conduzam ao socialismo,
. é ser igualitarista,
. é ser favorável ao crescimento econômico (pois acredita que as necessidades humanas são ilimitadas e que liberdade é o conhecimento das necessidades),
. é ter estado mínimo (substituir o governo dos homens pela administração das coisas),
. é apoiar a formação do governo mundial (com a provisão de bens públicos e meritórios),
. é apoiar um sistema político que comporte o voto secreto universal distrital facultativo,
. é considerar que experiências como a implantação do esperanto enquanto língua universal e o socialismo como sistema econômico obrigatório é bucha.
. é reger as finanças públicas pelo princípio do orçamento universal, amparado pelo princípio da hierarquia das necessidades criado por Abraham Maslow,
. é cobrar imposto de renda progressivo sobre os rendimentos do trabalho e rendimento proporcional aos rendimentos do capital. Ou seja, trabalhador paga imposto de renda progressivo, empresa paga imposto de renda proporcional, mas o lucro distribuído a pessoas físicas paga imposto de renda progressivo adicional àquele já recolhido pela empresa.

DdAB

P.S. Este negócio todo é uma encrenca inominável. Pouco falei de Rawls, e falar mais levaria a Amartya Sen e fatalmente a Martha Nussbaum, Hannah Arendt, e o negócio não iria parar mais. Mas dei um passo adiante e olhei http://en.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Agamben.

P.S.S. Sempre que falo em Rawls também penso no conceito de sociedade justa expresso por David Harvey aquiaqui e aqui. Em tempo, em meu blog, além destes links, há milhares de outras postagens falando em sociedade justa.

APÊNDICE
Comecei falando neste site aqui, que me foi passado pelo meu finado amigo e colega, o prof. Jesiel de Marco Gomes.

Andava eu neste nível de atividade mental, quando me deparei, na aba do blog, com a postagem daqui.

.a: http://ventosueste.blogspot.com.br/2014/11/esquerda-direita-e-o-rendimento-basico.html

E fui mandado para .c., mas antes deveria ler
.b: http://www.adamsmith.org/blog/welfare-pensions/we-need-a-negative-income-tax-not-a-living-wage/

.c: http://stumblingandmumbling.typepad.com/stumbling_and_mumbling/2013/01/marxism-freedom.html

Aí, já caí em

.d: http://stumblingandmumbling.typepad.com/stumbling_and_mumbling/2014/11/basic-income-left-right.html

.e: http://en.wikipedia.org/wiki/Libertarian_Marxism

E aí aproveitei e olhei:
http://en.wikipedia.org/wiki/Communitarianism

E o pior é que não sei o que fica faltando... O primeiro ponto é não pensar no Brasil, ou se o fizer não esquecer a Africa.

DdAB

Imagem: pois bem: se você puder ler aquela encrenca então saberá que ser de esquerda não é nada do que diz aquele articulista, ao contrário. Ele confunde Brasil e PT com o mundo e todos os tempos. No outro dia, reclamei da falta da piada do dia no jornal Zero Hora. Pois hoje há uma lá (O cliente reclama ao garçom que o frango veio com uma perna mais curta. O garçom indaga se o cliente quer comer ou dançar). Mas marcou-me o dia ler esta diatribe do "jornalista diplomado" Diego Casagrande. Tivesse eu recursos ilimitados, oferecer-lhe-ia R$ um milhão para ele assistir a um curso de teoria da escolha pública.

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