31 outubro, 2014

El Hombre que Amaba a la Revolución


Querido diário:

O livro de leitura literária que mais me impressionou entre os que li em 2014 (e em muitos outros anos) foi, sin duda, "El Hombre que Amaba a los Perros", do cubano Leonardo Padura. Algum tempo atrás, falava sobre ele com Juarez Fonseca e na Revolta de Kronstadt (aqui, cidade em que, em 1921, houve um motim de descontentamento contra os primeiros anos do comunismo e que foi severamente reprimido pelos revolucionários de Moscow).

Eu comentava sobre a importância do conhecimento transmitido por este tipo de literatura para dar-nos uma ideia sobre a vida cotidiana durante o comunismo, no caso, na URSS e em Cuba. No livro de Padura, no caso, há largos traços da vida em ambos os países. Este tipo de fonte é que me ajuda a entender as dificuldades dos homens de carne-e-osso em aceitar as ainda maiores dificuldades da construção do mundo melhor que desejamos deixar de herança para nossos netos.

Disse-me Juarez Fonseca que, para saber mais sobre o cotidiano da vida soviética nos anos do entorno da Revolução de 1917, nada melhor do que ler o livro "A Cavalaria Vermelha", de Isac Bábel (aqui e aqui). Há alguns meses, passei a procurar o livro, procurei-o, procurei, procurei, mas não mais o localizei, parece definitivamente esgotado. Em seu lugar, surgiu nova tradução, agora intitulando-o de "O Exército de Cavalaria" (CossacNaivy, em tradução espantosamente boa de Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade).

Issac Bábel foi assassinado pelo governo soviético em 1940. Doeria menos se disséssemos "pelo estalinismo"? Claro que aqueles anos dos contos são alguns anteriores à Revolução de Outubro, mas outros são posteriores, chegando até ao início dos anos 1920. Intriga-me conhecer alguma coisa da literatura posterior, saber se há críticas. Em meus tempos de admirador do comunismo e, especialmente, dos romances que me emprestou o primo Sílvio Garcia Jantzen, adquiridos à Editorial Vitória, aquelas editoras, eu conhecia a literatura laudatória, como "A Colheita", de Galina Nicolaieva (histórias nos kolkhoses e adjacências) e o grande Iliá Ehremburg (1), de quem lembro ter lido "A Tempestade" (II Guerra). Talvez tenha cometido um engano em recusar-me a ler a literatura de contestação de Alex Soljenitzin. Mas li o afamado "Dr. Jivago", que não lembro bem, talvez nem mesmo a propaganda anti-soviética quer-me ter parecido severa. E a Julie Christie está belíssima no filme. E conheço uma boa meia-dúzia de garotas chamadas Lara!

A verdade verídica é que eu, naquela linha do "não gosto de chuva nem gosto de sol", ou do "sofro com o desenvolvimento do capitalismo e também com sua ausência" (2), vejo no comunismo soviético um progresso para a humanidade e uma simultânea e tenebrosa marcha à ré. Por contraste ao "comunismo", entendo como vitorioso o marxismo como a "filosofia da prática" e como humanismo: é preciso revolucionar a propriedade privada e a distribuição da renda. E será apenas a partir dele -destas duas revoluções- que se conseguirá este intento de redenção humana.

Se "A Cavalaria Vermelha" -como "Vidas Secas", outro "romance desmontável"- mostra um tempo grotesco, depois a burocracia e "os órgãos de segurança" eliminaram qualquer fagulha de "revolução na revolução", como teorizou Trótski.. Hoje fujo da revolução, mas também fujo de qualquer organização política que centre o poder no partido único. Para não falar de presidentes reeleitos ad eternum.

Como é que sei que Bábel amava a revolução? Ele atesta, com desenvoltura mas sem exagero, a existência de Trótski, o homem que criou a teoria da revolução permanente. Que, aliás, tampouco faz minha solução para o caminho do igualitarismo. Parece que não iria dar certo, mesmo que Trótski não tivesse sido fragorosamente derrotado por Stálin, como naqueles piores pesadelos de que um ser humano pode ser vítima.

Com efeito, o livro "O Exército de Cavalaria" tem três citações a Trótski (se bem conto), localizadas nas páginas 153, 181 e 204. Já seria suficiente para condenar o negão à morte, não é mesmo? Mas agora olha estes diálogos que retirei do conto "Guedáli" (aliás, o nome do pai de um amigo, judeus brasileiros ambos). Lá no finalzão, página 238, diz-se deste conto: "[...] publicado no jornal Isviéstia (Odessa, 1923), com o subtítulo 'Do livro O Exército de Cavalaria', o local e a data (Jitómir, junho de 1920)." [Os parênteses estão no original. E Jitómir, eu não sabia, é uma cidade da Polônia e não da Rússia/URSS].

Em particular, estamos nas páginas 56 e 57:

[...]
   -A Revolução? Nós diremos sim a ela. Mas e ao sabá, por acaso teremos que dizer não ao sabá?- assim começa Guedáli, e ele me enreda com as cordas de seda em seus olhos embaçados. -"Sim", grito eu para a revolução, eu grito "sim" para ela, mas ela se esconde de Guedáli, e manda para frente apenas a fuzilaria...
   -A luz do sol não penetra em olhos fechados - respondo ao velhinho -, mas nós abriremos os olhos fechados...
   -O polonês fechou meus olhos - sussurra o velho, com voz quase imperceptível. -O polonês é um cão maldito. Ele agarra o judeu e arranca a barba dele, ah, o cachorro! E eis que agora batem nele, nesse cão maldito. Isto sim, é que é belo, esta sim, é que é a Revolução! E depois, quando aquele que bateu no polonês me diz: "Entregue-nos seu gramofone em troca disso, Guedáli...", eu respondo à Revolução: "Mas eu gosto de música, senhores"... "Mas você, Guedáli, não sabe do que você gosta. Vou atirar em você, e aí você vai saber. Porque eu não posso fazer outra coisa a não ser atirar, porque eu sou a Revolução...".
   -Ela não pode deixar de atirar, Guedáli - digo eu ao velhinho -, porque ela é a Revolução...
   -Mas o polonês estava atirando, meu caro pan, porque ele era a contrarrevolução. E vocês atiram porque são a Revolução. Mas a Revolução é alegria. E a alegria não gosta de ter órfãos pela casa. O homem bom faz boas obras. A Revolução é uma boa obra de homens bons. Mas os homens bons não matam. Então, quer dizer que quem faz a revolução são os homens maus. Mas os poloneses também são homens maus. Quem dirá a Guedáli de que lado está a Revolução e de que lado está a contrarrevolução? Um dia eu estudei o Talmude, e gosto dos comentários de Rachi e dos livros de Maimônides, e há pessoas inteligentes em Jitómir. E eis que nós todos, pessoas instruídas, levamos o rosto ao chão e gritamos numa única voz: "Ai de nós! Onde está a doce Revolução?...".
   O velho calou-se. E nós  vimos a primeira estrela que atravessar a Via Láctea em toda a sua extensão.
[...]

Eu fiquei tão embasbacado com esta passagem e dezenas de outras que desejei saber mais sobre a vida cotidiana nos países que amaram a revolução. E li aquele livro dos Cisnes Selvagens, o que me deixou, além de embasbacado, desabotinado e escabelado. Talvez eu deva passar a usar como lema a linda frase de Guedáli:

Mas a Revolução é alegria. E a alegria não gosta de ter órfãos pela casa.

Se eu pudesse corrigir este senhor, apenas grafaria "revolução" e "Alegria".

DdAB
(1) Está cheio de Ilyá Ehremburg pela internet. Mas da Galina Nicolaieva encontrei apenas isto:
(2) Estou citando a canção "Ligia", de Tom Jobim e, presumo, Vinicius de Moraes. E depois Karl Marx nada mais nada menos que em  "O Capital".

P.S. E aqui a capa do livro que li:

E olha o que eu achei aqui:

30 outubro, 2014

Quem Votou em Dilma


Querido diário:

O mapa veio daqui. A agregação por macrorregiões Dilma varrida do sul-sudeste. Mas, ao vermos os dados municipalizados, há atenuantes, há mais intermediações. E o extremo sul, Santa Vitória do Palmar, vemos na legenda, também dá vitória a Dilma. E mesmo em São Paulo há municípios cuja população votou majoritariamente em Dilma. E o extremo norte? O afamado Oiapoque deu 66,6% a Dilma. E o mais nortista, conforme sugere o mapa do site citado (confirmado na Wikipedia aqui)?  O município de Uiramutã deu 66% a Dilma.

E que será do Brasil nos próximos quatro anos? Teremos mais quatro anos perdidos no que diz respeito à condução de reformas que tirem o país da rota de derrota? Ou que siga melhorando, um pontinho percentual do índice de Gini de cada vez? Apenas isto?

Eu disse que não esperava nada como resultado das eleições. Era mentira... E agora não espero (é mentira...) grandeza por parte das lideranças políticas, espero a montagem (é mentira...) de um projeto nacional de ligeira centro-esquerda. Afinal, o PSDB é social-democrata e, como tal, permitiria medidas igualitaristas. O que poderia ser negociado, por ser praticamente unânime, é o maior gasto em educação e, quem sabe?, a redução da desigualdade. Mas aí já começa: gasto público e tributação. Quem falará nisto? Na campanha eleitoral, pouco falaram, nada li.

DdAB
Pareço um tanto platônico nesta postagem, com muita pergunta e pouca afirmação. Minha afirmação é que acredito em milagres e, como tal, acredito que o Brasil possa em breve alcançar uma trajetória de crescimento luzidia. Nunca esquecerei que já falei algumas vezes que nutria tal sentimento quando os países limítrofes meridionais venceram a inflação que, aqui, durou ainda mais um ou dois anos. Enfim também aqui se conseguiu vencê-la.

29 outubro, 2014

Governo A e Governo B


Querido diário:

Falo em governos A e B para deixar claro que, em primeiro lugar, tudo o que se move com dinheiro originário das receitas públicas, em particular, a tributação, é governo. Executivo, legislativo, judiciário, federal, estadual, municipal. "governo" e oposição. Toda essa macacada vive do dinheiro público, inclusive os lucros das empresas estatais. A Petrobrás, por exemplo, paga 50% dos lucros para o Tesouro Nacional.

Mas então o que é governo A? É o intervencionista, dono da Petrobrás e do Banco do Brasil, essas coisas. É o governo que promove umas políticas industriais escalafobéticas, que distorce os preços relativos com tributação indireta escandalosa, o que achaca as famílias cobrando mais impostos de serviços convencionais, como a telefonia, serviços industriais, como a energia elétrica, inclusive assestando-lhes (famílias) discriminação de preços, desviando recursos para os beneficiados com tarifas menores, nomeadamente, os setores produtivos.

E que é governo B? É aquele que procura transferir à sociedade (produtores) a maior parte possível da produção de  bens e serviços, reservando a si a provisão de bens públicos e bens de mérito. E que fazer com as empresas estatais, vendê-las, doar aos meninos de rua? Mas esta última hipótese. Minha proposta é que se faça um fundo nacional de manutenção da renda básica, complementar a dotações do tesouro (ou tais dotações é que seriam complementares aos rendimentos do fundo) para criar a renda básica da cidadania. Um pobre pode viver dos rendimentos, digamos, do fundão, ou pode viver do aluguel de sua cota deste fundão. Não pode vender sua cota, seria como vender sua existência como pessoa física!

E a estagnação dos dois ou três ou quatro ou cinco últimos anos? Resulta de problemas externos, claro. E de problemas internos, claro. Em minha maneira de ver os problemas internos são bem claros mesmo: a estrutura tributária escalafobética. Pobre paga imposto indireto e rico não paga imposto de renda! Será um elogio do ódio a Milton Friedman que sugeria o imposto de renda progressivo para quem sobe e negativo para quem desce (renda básica)?

E como sair do buraco, da depressão instalada na economia? Claro que só pode ser com uma reforma tributária! E que fazer com a política tal como ela está implantada no Brasil e aqueles iludidos que pensavam que as eleições iriam mudar uma vírgula? Creio que devemos começar a chamá-los de caxambueiros (1).

E só reforma tributária? Claro que não: precisa elevar a demanda agregada (2). E até é bom: o país precisa tanto de infra-estrutura (ferrovias, hidrovias, essas coisas) e serviços decentes (justiça, segurança, educação) que até é bom convocar o setor privado a provê-las (à infra-estrutura e à prestação de serviços decentes), ou seja, o governo encarrega-se da provisão, cobra impostos dos ricos para financiar e gasta em benefício de todos, o que, naturalmente, deixa o gasto com caráter regressivo, pois tem mais pobre do que rico a se beneficiar do que quer que seja.

Mas que legitimidade tem a presidenta em 2015 para falar nestas coisas? Por que não falou em 2014? E o senador Aécio? E as revoluções por minuto e os infiltrados voltarão? Claro que sim!

DdAB
(1) Monteiro Lobato lá em "O Poço do Visconde" ironizava a turma que achava que não havia petróleo no subsolo do Brasil. Dizia que eles consideravam que havia apenas mananciais de água mineral, creio que em homenagem às águas termas e às bebíveis daquele aprazível resort.
(2) Existe uma espantosa diferença a ser coberta entre o montante do valor adicionado e o montante das transferências institucionais. E também contemplemos uma fração do crédito à produção e ao consumo. Estes volumes monetários devem ser esticados gradativamente ao longo do processo de desenvolvimento econômico. E o Brasil não o tem feito!

27 outubro, 2014

Se o PT Fosse Decente...


Querido diário:

Venceu Dilma. Venceram os ladrões de esquerda. Se o PT (e seus 22 ou o que seja partidos aliados) fosse decente, ele ofereceria o Olimpo em troca do apoio crítico por parte do senador Aécio Neves. Buscando desesperadamente impedir que o governo seja tragado pela direita mais escalafobética e pela esquerda mais corrupta.

Se isto acontecer, prometo puxar carroça durante os quatro anos do segundo mandato (a propósito de burradas, ver aqui).

Eu ouvira gente amiga do amigo do amigo de gente importante dentro do PT que o partido, suas lideranças, preferiam enfrentar Aécio e não Marina no segundo turno. Pois agora os fatos mostram que foi fácil vencer Aécio e nada se sabe sobre se haveria sucesso na competição com Marina. 3% dos votos foram a diferença entre ela e ele. Mas deve impressionar que Dilma fez 54,5 milhões de votos. É muita gente. E também se diz que quem deu a vitória a Dilma foram o norte e nordeste atrasados. Eu digo o contrário: num estado reacionário como este em que vivo, os minguados votos em Dilma é que fizeram a diferença. Se pensarmos em cair na galhofa, eu diria que o ditador esclarecido no caso fui eu mesmo: meu voto é que fez a diferença.

E acho que, com base em material etnográfico colhido junto a duas ou três pessoas de minhas relações, tem razão aquela turma que diz que a nova classe C não gosta da classe D ou da E, especialmente discriminando a negadinha que ganha bolsa família e fica no portão de casa fazendo fofoca sobre a vida alheia. Eu acho que o antídoto para este tipo de visão do problema social brasileiro é mesmo a renda básica. Acho que a bolsa família já fez seu papel. Como a implantação do programa deve ser progressiva, penso que o próximo governo deveria começar a distribuir a renda básica precisamente para as mulheres detentoras da bolsa família, ou seja, uma vez inserida no programa, não sai mais. E dá opção de trabalhar, de acumular ganhos.

DdAB
Imagem daqui. Não é difícil de imaginarmos que estou dentro do carro cujo espelho esquerdo se vê. Mas eu abandonaria esta posição, manteria as atuais conquistas do burro e passaria myself a substituir o indigitado cidadão, que seria reciclado, com banhos, aulas, ginástica, aquelas coisas da lapela do blog.
P.S.: reparou como é que eu ando sutil demais? Aqui encontrei os seguintes dados confirmando minha percepção de que o sulzão é que gosta de governo de esquerda associado a ladrões que protegem os pobres mais do que os antagonistas. Dilma fez 2.997.360 votos no RGS, o que dá mais do que a soma da Paraíba (1.380.988) e o xará Rio Grande do Norte (1.201.576).

P.S.S. Amanhã (hehehe, escrevo às 9h12min de 28/out/2014), teremos nas páginas 8 e 9 de ZH os seguintes dados:
Brasil: Aécio: 51.041.155 e Dilma: 54.505.118.
Rio Grande do Sul: Aécio: 3.452.455 e Dilma: 2.997.360.

26 outubro, 2014

Eleições: Iluminismo e Rent-Seeking


Querido diário:

A foto que nos encima saiu de meu próprio telefone celular quando eu me dirigia à Escola Franklin Delano Roosevelt, onde sou obrigado a votar. Se não votar, torno-me criminoso e, como tal, passo a ser proibido de votar, não é mesmo? Ideia esdrúxula que capturei pela primeira vez ao visitar o Museu Britânico: contribua pecuniariamente, a fim de que a visitação possa manter-se grátis. Aproveitei a ideia na campanha do uso da gravata: usá-la antes que isto se tornasse obrigatório.

Muitos políticos (id est, ladrões) convidaram-me a fazer propaganda de indústrias produtoras de gravatas que lhes financiavam as campanhas eleitorais. Um deles confessou ter adquirido uma mansão na Riviera Francesa (ou era um mero edifício [inteirinho] com este pomposo nome?).

A foto que nos encima ilustra, isto é, dá brilho, ao drama brasileiro contemporâneo que chamo de anti-iluminismo. Iluminar, dar brilho, jogar à luz é uma coisa. Ter postes cheios de fios prontinhos a cair sobre os escolares e demais transeuntes, inclusive os da feira livre que se reúne naquele local todas as quintas-feiras das 15h00 às 20h00, é bem outra.

A foto que nos dá piso ilustra o rent-seeker a que me refiro no título da postagem. Vi-o ao passar no rumo do colégio já chamando pessoas, gritando e mesmo atrapalhando o trânsito no afã de retirar sua parte de M, isto é, a oferta monetária avalizada por certo P x Q (isto é, valor adicionado). E respondendo à equação quantitativa da moeda, ou seja, M x V = P x Q. Este M de que falo é, natural e obviamente, o que os livros de teoria monetária chamam de moeda manual, pois escorreu da mão do motorista do carrinho vermelho para as vetustas mãos do rent-seeker.

Se tivessem indagado a este Planeta 23 o que fazer nos próximos quatro anos, eu certamente recomendaria um programa de construção de galerias urbanas para esconder toda a fiação que cobre os espaços citadinos contemporâneos. E mais ainda:

.a. que empregasse gente como aquele rent-seeker
e
.b. que empregasse outros rent-seekers (que, deste modo, deixariam de sê-lo) a fim de impedir que a população seja achacada por políticos e outros improdutivos.

Ainda faltou falar das eleições: uma vez que eleição rima com ladrão, ouvi dizer que querem mudar a grafia desta palavra para ladrinho, o que deixaria os políticos livres da acusação de serem ladrões. E no outro dia já declarei meu voto: grupos de esquerda ladrões e grupos de direita ladrões levam-me a expressar minha preferência pelos primeiros. Minha avaliação subjetiva da probabilidade de que haverá mudanças nos próximos quatro anos: nihil.

Mas a notícia benévola para horizontes de tempo superiores a quatro anos é que vislumbramos, preso ao poste, num quadrinho branco, os seguintes dizeres:

AULAS
Matemárica
Química
Física
3219.6667.
Presumo que 051+este número, não é, não? Em menos de 51 anos tudo se resolve.

DdAB
Foto que nos dá piso:

25 outubro, 2014

Dilma, Branco ou Nulo?


Querido diário:

Ainda entusiasmado com a perspectiva desanimadora do futuro imediato das mudanças clamadas pela dupla Dilma-Aécio para o próximo quadriênio brasileiro, indaguei a um cambono aqui do bairro Menino Deus de Porto Alegre em quem votar. Pensei em anular o voto escrevendo um número que não rege qualquer partido político, nomeadamente a tríade platônica esquerda-ladrão-direita, ou 03, conforme o Anexo. Ele me disse: "neste caso, meu chapa, o negócio é votar em branco ou direto mesmo na Dilma, pois -se digitares voto em burro- virará voto em Aécio".

DdAB
Imagem: tirei daqui.

ANEXO
1 avestruz
2 águia
3 burro
4 borboleta
5 cachorro
6 cabra
7 carneiro
8 camelo
9 cobra
10 coelho
11 cavalo
12 elefante
13 galo
14 gato
15 jacaré
16 leão
17 macaco
18 porco
19 pavão
20 peru
21 touro
22 tigre
23 urso
24 veado
25 vaca

24 outubro, 2014

A Veja e Meu Voto Mexido


Querido diário:

Item 1: parece que não deixei devidamente claro em quem vou votar no próximo domingo. Minhas considerações tornaram-se completamente ideológicas: entre dois grupos de ladrões, escolho aquele que alardeia ser da esquerda. Em outras palavras, votarei em Dilma Rousseff, honesta enfurnada em um grupo de larápios.

Item 2: li a extraordinária postagem de Rosana Pinheiro-Machado (aqui). Nem precisa ler tudo (mas recomendo que o clube do Planeta 23 o faça), pois a primeira frase já diz o que fazer.

A esquerda precisa fazer auto-crítica e entender que é minoria neste país.

Seguimos no item 2: ela diz que a saída é colocarmos o "pé no barro", e entendo isto como o final do artigo: dialogar com quem aceita dialogar. Há gente de consciência reacionária de tal maneira empedernida que chegou a virar fobia. Falar em igualitarismo para esta gente significa pedir briga. Eu, como recomendo (ver livro Teoria dos Jogos) substituir a violência pelo uso da razão, só posso dizer que não discuto com quem argumenta com briga. E que quer dizer, para mim, pé no barro? É voltar a fazer o trabalho de formiguinha que sempre fizemos, digo, eu fiz, entre 1962 e, digamos, 1988. A aproximação do PT do poder, paradoxalmente, fez-me buscar cada vez maiores distâncias.

Complemento ao item 2: aliás nem foi bem no momento em que Olívio Dutra foi eleito para prefeito de Porto Alegre (final de 1988) e até foi depois de sua saída, ou seja, estamos agora em 1992, que me dei conta de que o PT deveria ter democratizado a administração pública municipal e não tê-la aparelhado. Que quereria dizer uma administração petista democratizante? Muita discussão na repartição.

Item 3: em compensação, a página 10 de Zero Hora de hoje está cheia de propaganda, mas tem digamos 300cm^2 de noticiário, ela que se intitula "Notícias". E não deixa de ser propaganda dos destrambelhos da revista Veja. Ela -tudo de acordo com a notícia- antecipou a edição. ZH diz que a Veja fala em "suposta delação de doleiro". Diz o delator que Dilma e Lula sabiam de todos os desvios feitos na Petrobrás. Veja é séria o suficiente para ter este espaço em ZH? A notícia da delação feita pelo sr. Alberto Youssef (nome que, poeticamente rima com Rouseff) parece que foi checada pela própria Zero Hora.

Item 4: intuo que o que segue é por conta de Zero Hora, que decidiu investigar o que lá diz a Veja:

   O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto, confirmou que o doleiro prestou depoimento, mas disse não saber da informação:
-Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso (que Lula e Dilma sabiam do esquema da Petrobrás). Não conheço esse depoimento. Estou surpreso - afirmou Basto.
-Estamos perplexos e desconhecemos o que está acontecendo. É preciso ter cuidado porque está havendo muita especulação. 
[o itálico é do original de ZH]

Segue o item 4: era precaução da Veja ou da Zero Hora?

Complemento ao item 4: não lerei a Veja, claro. Pago meu preço para mau jornalismo lendo a própria Zero Herra e a Capital dos Carta, epítetos inspirados em meu ódio à incompetência e à falta de objetividade. Não sou contra a tomada de posição, o que faz com desvelo a Carta Capital e diz que segue grandes publicações do mundo. Nestas circunstâncias, não poderia queixar-me de que Veja é contrária à reeleição de Dilma e, assim, favorece a eleição de Aécio. O que naturalmente me deixa abisurado (sinônimo de absurdado) é a provisão de matérias falsamente objetivas. Antecipar a divulgação da revista? Ok, ainda passa. Mas dizer que o delator disse coisas antagonizando a candidatura de Dilma e o próprio advogado do delator desconhecê-las é estarrecedor. Em que momento o réu declarou coisas à Veja que o advogado não tomou conhecimento? Só bebendo!

DdAB
Pedi ao Google Images "Veja e Beba" e ele me deu isto daqui. Que voto mexido é este do título? É que, quando surgiu a revista Veja, nada havia de tão interessante: uma revista semanal que apresentava o mundo político. Diferente da Manchete. Diferente dos futuros nanicos, com um ponto de vista não-lá-muito-simpático à ditadura militar. Os tempos passaram, a ditadura se foi, mas aquele "centrão" da constituinte de 1988 foi a maior radiografia da consciência nacional que, até hoje, pende para a direita. E a Veja foi mexida de tal modo que não me resta nada a fazer a não ser recomendar que estudemos a seguinte. E eu, que jurara votar em Marina, mexi, pois jurei votar em Dilma.

Lição de dialética:

Tese:
Eu digo: cachaça, cachaça, cachaça.
Antítese:
Blair disse: education, education, education.
Síntese:
Vamo distribuí birita na aula!

P.S. Aos 30/out/2014, mudei o título desta postagem. E hoje, 20/nov/2014, não lembro qual era o original...

23 outubro, 2014

Indústria Nacional: magia e ideologia


Querido diário:

Retorno ao tema da desindustrialização e das propriedades mágicas atribuídas por muitos estudiosos do desenvolvimento econômico à indústria em uma economia nacional.

Tudo começou com uma postagem de Leonardo Monastério em que ele informa sobre a divulgação de um trabalho que fez em coautoria com Guilherme Matoso Macedo (aqui) e constata que um emprego em uma indústria moderna cria seis empregos nos serviços. O texto para discussão intitula-se "Multiplicador local do emprego: mesorregiões brasileiras (2000-2010)". Tem muita coisa a discutir no artigo, mas creio que uma razão arguida para explicar o caráter explosivo desse multiplicador (um para cinco ou seis) é que o setor industrial moderno gera elevados salários e, como tal, induz o crescimento dos serviços. Fiquei pensando que o caráter factual brasileiro desta regularidade não deve obscurecer alternativas criativas de geração de renda em regiões de baixo desenvolvimento econômico. Por exemplo, na Inglaterra, todo o processamento da papelada do trânsito (certificados de propriedade do veículo, essas coisas) são processadas em uma região distante da Grande Londres. Claro que isto gera renda e os funcionários públicos irão procurar restaurantes, escolas e outros serviços.

De sua bibliografia retirei outro texto para discussão do IPEA (n. 1681, intitulado "Desindustrialização precoce e sobrevalorização da taxa de câmbio"). Fala-se a indústria exerce "impacto no avanço e na difusão tecnológica, na produtividade, na produção de outros setores e na própria renda per capita". Fiquei pensando: não precisa ser indústria nacional para gerar avanços e difusão tecnológicos, nem na produtividade (PIB por trabalhador), nem mesmo na produção de outros setores. Claro que na renda per capita isto ocorre, pois os bens gerados pela indústria não são inferiores, não é mesmo? Parece-me que este tipo de argumentação (não a de Macedo e Monastério) supõe que a indústria precisa ser nacional: produtos importados não teriam impactos sobre o sistema industrial/produtivo local. Ou seja, um trator não precisa ser produzido no Brasil para elevar a produtividade da lavoura de soja do Matto Grosso.

De outra parte, parece óbvio que um Ministério do Comércio Exterior ou um Banco Brasileiro de Comércio Exterior poderia/m lidar adequadamente/especular com a desvalorização do câmbio originária de um grande volume de exportações devidas a circunstâncias favoráveis fortuitas, como o petróleo do Mar do Norte e a Holanda ou ainda a soja de Matto Grosso e outros produtos agroindustriais nacionais. Mas, para deixar tudo mais difícil, o câmbio brasileiro obedece a um elenco de restrições macroeconômicas destinadas a elevar o consumo de cachaça (impacto direto na indústria de bebidas...)!

DdAB
A imagem veio daqui e mostra quão angelical é a indústria local...

21 outubro, 2014

Dilma Lá, Esperança Nu-la-cá


Querido diário:

Nunca pensei que pudesse acontecer-me algo nesta linha: não tenho a menor esperança nas possibilidades de solução dos grandes conflitos brasileiros por meio do poder que se prepara para ser investido em 2015. Ainda pior, mesmo brincando que há uma chapa Dilma-Aécio, de traços conservadores ou incompetentes, considero que Dilma é melhor que Aécio para vermos encaminhada uma solução de qualidade.

Por que digo isto? Meu leitor das postagens marcadas como "Economia Política" bem sabem. Declaro-me de uma esquerda não truculenta, uma esquerda generosa, calcada na criação da sociedade igualitária. Volta e meia faço minhas listinhas da ordem em que estas medidas devem ser adotadas. Naturalmente, a primeira é do plano internacional: a luta pela instalação do governo mundial. A ONU pode começar a ser reformada para assumir este papel, o que ela vem fazendo com certa desenvoltura. E, especialmente, a Corte Internacional de Haia alcançando jurisdição internacional.

No Brasil, a democracia começa com o voto facultativo, depois vem o voto distrital e em terceiro temos a adoção do parlamentarismo (legislativo podendo destituir o primeiro ministro e este também tendo poderes legais para convocar novas eleições). Depois começam as reformas econômicas que mais diretamente alcançam os projeto igualitário. A primeira delas é a aplicação da lei 10.835 da renda básica universal. Depois, temos o restante do gasto público também regressivo e, pelo lado da receita pública, impostos progressivos.

Isto significa que a atual estrutura tributária brasileira está intrinsecamente errada, ao dar o peso que realmente confere aos impostos indiretos. E mesmo aos diretos, com a alíquota máxima de meros 27,5% e também o nível de isenção de rendas inferiores a R$ 26 mil. As distorções que estas duas condicionantes (muito imposto indireto e imposto direto praticamente proporcional) são de tal magnitude que sua solução, sem promover desatinos no sistema econômico requer uma transição de cerca de 20 anos.

Neste caso, as isenções dos impostos indiretos deveriam ir aumentando até torná-los incidentes apenas sobre os bens de demérito. E a alíquota para rendas -digamos- superiores a R$ 60 mil (ou R$ 120 mil), crescendo em três pontos percentuais anuais. Por exemplo, em 2016 haveria uma faixa de 30,5%, em 2017, outra, de 33,5% e assim por diante. Em 20 anos, chegaríamos a 87,5%.

Por que não votar em Aécio? Pois aquela "social democracia brasileira", desde que o líder Fernando Henrique Cardoso, em sua eleição, preferiu associar-se às forças da direita, o que vemos é mesmo um corte administrativo, promessas de corte administrativo, bastante à direita.

Exemplo? Aquela medida de elevar a idade de aposentadoria por idade para 75 anos. E por que esperança nula com o governo Dilma? Pois os oito anos de Lula-lá nada mudaram quanto a isto e nos quase quatro de Dilma tampouco houve qualquer tentativa. Só isto? Claro que não, outras iniciativas esbarram na própria boa-vontade do partido ou do congresso.

DdAB
Imagem daqui. Parece que está dizendo algo para o voto obrigatório...

20 outubro, 2014

Ulysses: a chave no Pierre Menard


Querido diário:

Até hoje sinto-me estranho por ter forçado nova interpretação da primeira sentença de Ulysses, de James Joyce, pois pareceu-me ter percebido um errinho na própria versão em inglês da obra prima do século XX. Depois, pensando mais atentamente com os olhos, vi que poderia haver, no manuscrito, um sinalzinho causado por um fungo, o que impediu que se desse ao tema a vírgula que o contexto requeria (ver aqui). Pois então:

.a. original:

Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed.

.b. correção do Planeta 23 (p.c., id est, postagem citada):

Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead, bearing a bowl of lather on which a mirror, and a razor lay crossed.

Mas muito me aliviou os males de forçar novas leituras por parte de centenas de milhares de comentadores (?). Quem aliviou? A leitura de Jorge Luis Borges e seu conto "Pierre Menard, autor del Quijote". E por que aliviou? Vejamos. (1)

A edição do Dom Quixote que adquiri no início deste ano na gigantesca cidade do México (ver identificação no final desta postagem) permite lermos na página 68:

[...] la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.

Não tive acesso à edição original do conto borgeano intitulado Pierre Menard, autor del Quijote, mas considero-o razoavelmente bem reproduzido (por suposição) nas obras completas do autor argentino, orgulho da literatura mundial que referencio no final. Então, nesta obra citada, em sua página 449 lemos:

   Es una revelación cotejar el Don Quijote de Menard con el de Cervantes. Éste, por ejemplo, escribió (Don Quijote, primeira parte, noveno capítulo):
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.
   Redactada en el siglo XVII, redactada por el 'ingenio lego' Cervantes, esa enumeración es un mero elogio retórico de la historia. Menard, en cambio, escribe:
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.

Borges segue preocupando-se com Menard, deixando o Quijote em paz. Mas os búzios ainda não estavam totalmente sedimentados, pois a primeira vez que li esta obra magistral fi-lo (fi-lo, meu deus?) por meio da edição de las Ediciones Cátedra, de Madri. Transcrevo:

Es una revelación cotejar el Don Quijote de Menard con el de Cervantes. Éste, por ejemplo, escribió (Don Quijote, primeira parte, noveno capítulo):
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo,
depósito de las acciones, testigo de lo pasado,
ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.

E aqui temos a versão espanhola, nas páginas 81-92:

   Redactada en el siglo XVII, redactada por el 'ingenio lego' Cervantes, esa enumeración es un mero elogio retórico de la historia. Menard, en cambio, escribe:
... la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo,
depósito de las acciones, testigo de lo pasado,
ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por-
venir.

Como é que pode uma interpretação tão avassaladora da obra de Cervantes ter uma diferença tão radical, nomeadamente, a separação de "por-venir"? Não há mais de uma hipótese sensível: só pode ter sido obra de um fungo nos originais de Jorge Luis Borges, não é mesmo?

Que podemos concluir de tudo isto? (Rever nota 1) Que faltou mesmo uma vírgula nas reproduções do original joyceano, pois aquele negócio de navalha cruzar-se com um espelho, só bebendo (2)! Ao mesmo tempo, neste caso, o que se torna imperioso é mudarmos aquele iniciozinho de romance e dizer que havia mesmo um espelho, só que se cruzavam sobre ele um pincel de barba e uma navalha de barbear. CQD.

DdAB
(1) A leitora arguta terá observado que estou usando a técnica criada por James Joyce (e milhares de outros) de conduzir um texto na base das perguntas e respostas, como o faz ele no capítulo 17.
(2) "Só bebendo!" é uma expressão que costumo usar para manifestar milhares de estados d'alma, centenas deles ocorrendo simultaneamente: do amor ao dinheiro, da gripe à griffe.

P.S. Meu Quijote é: 
CERVANTES Saavedra, Miguel de (2010) El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha. Barcelona: Plutón. (Printed in China, 170 pesos mexicanos ou R$ 40,00 em fev/2014). 
   E também há o texto eletrônico disponível em: http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/Don_quijote.pdf.

P.S.S. Minha primeira citação da comparação borgeana entre Menard e Quijote vem de:
BORGES, Jorge Luis (2004) Obras completas I. Buenos Aires: Emecé. 15a. ed.
   E o conto conta-se como: Pierre Menard, autor de Quijote, localizando-se às páginas 444-450 dessa edição que abarcou as obras publicadas entre 1923 e 1949.

P.S.S.S. E a edição de Cátedra tem como:
BORGES, Jorge Luis (1986) Narraciones. Madrid: Cátedra. Edición de Marcos Ricardo Barnatán, coleção Letras Hispánicas.

19 outubro, 2014

Proposta de Mudança Institucional


Querido diário:

Volta e meia denuncio aqui neste Planeta 23 que a cultura brasileira espelhada por seus políticos todos capturáveis até mesmo pelos mais fracotes grupos de interesse vivem mudando regras que tornam nosso cotidiano ainda mais difícil.

E sempre ilustro com dois exemplos fantasmagóricos. Primeiro, as tomadas elétricas, que -se bem conto- já tiveram a terceira mudança desde que fui trazido ao mundo. Segundo, as mudanças ortográficas radicais, que também já se contam em três. No primeiro caso, ao invés de se tentar alguma universalização, ao contrário, excluímos as tomadas americanas, o que dá um prejuízo admirável para um monte de gente (fora que elas são feitas para redes elétricas portadoras de "fio terra", o que acontecerá no Brasil apenas no século XXX). No segundo, além de meu admirado livrinho "Pequeno Príncipe", tive que jogar no lixo pilhas de dicionários, adquiridos antes de 1973 e agora há pouco, em janeiro de 2009.

Chegamos ao domingo. Vem minha proposta de mudança institucional, desta vez revelando logo sua motivação: mudar por mudar! Eu me insurjo contra a falta de lógica que existe naquela regra que só pode ser da ABNT para a transliteração da linguagem dos números à dos numerais. Por exemplo, recomenda-se escrever:

um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, 11, 12, 13, ...

E o Planeta 23 recomenda:

zero, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, 21, 22, 23, ...

A partir do 21 é que temos mais de um numeral para representar o número: vinte e um, noventa e seis, quatrocentos e sete (claro que o quatrocentos puro poderia também ter o numeral, mas a regra matemática é que estopa [agora uso estopar quando rolaria confusão entre "para", verbo e "para", presposição] em vinte e fim).

Qual a vantagem? Primeiro, evitaríamos o rebaixamento do Grêmio. Segundo, teríamos uma regra lógica mais consentânea com os ideais supremos da nacionalidade. Terceiro: economizar-se-á no processo decisório e educacional de nossas crianças.

DdAB
Imagem aqui.
P.S. Mal publiquei esta postagem e já uns parentes de Cacequi telefonaram dizendo que deveríamos também adotar o hábito francês daquele 4 x 20 (quatre-vingt) e mesmo o 4 x 20 + 19 (quatre vingt diz neuf).
P.S.S. E outra família de Jaguari diz que diz que não é "diz" e diz que é "dix".

17 outubro, 2014

Progresso para a Humanidade: o ebola e a população mundial


Querido diário:

A globalização começou, dizem, no dia 12 de outubro de 1492, com a chegada de Cristóvão Colombo às terras sem nome que passaram a ser chamadas de americanas. Mas hoje ainda tem gente que não entendeu, que pensa que o mundo é um conjunto de figuras planas com cotas elevadíssimas. Explico-me: tem gente que pensa que sua terra, o local onde vive e cercanias é absolutamente isolado de todas as demais terras, que o contrabando não passa de uma a outra, que os próprios micróbios que não conseguem assinar o documento pedindo o passaporte ficam chorando em seu local de origem e não se mudam a plagas que bem entendem/desejam.

Tem gente para tudo, pelo que constatei nestes últimos milhares de anos, ou cinco séculos desde Colombo. E tem gente morrendo por causa do ataque do vírus ebola, principalmente africanos. Mas o mundo globalizado não tem cordão de isolamento para este tipo de ataque. Deu na África Ocidental, dará na Europa, na América, em todo lugar. Basta esperar.

Mas não precisaria esperar. E parece que países candidatos ricos, como a Alemanha, a Espanha e os Estados Unidos já começam a se mobilizar para enfrentar a doença. E por que não o fizeram antes? Porque a ameaça não era tão visível. E agora? Porque há gente chegando a seus territórios. Como proibir o vírus de entrar sem passaporte? Basta impedir estas pessoas de entrar. Mas isto é mais difícil do que estancar a água que corre morro abaixo!

Então podemos aumentar a lista de tarefas que requerem a consagração do governo mundial:

.a. tráfico de armas
.b. tráfico de gente
.c. tráfico de dinheiro
.d. controle da poluição ambiental
.e. tráfico de doenças.

No livro 1491, ou seja, um ano antes da chegada de Colombo, fala-se na globalização das doenças ocorrendo já por aquela época. E por que falo que o ebola representa um progresso para a humanidade? Não era bem isto... Mas é claro que ele, com sua espantosa letalidade, leva mesmo os mais empedernidos reacionários a pensarem um pouco nas coletividades mundiais, nos desvalidos. Em resumo, outra força de enorme poder letal torna-se aliada do progresso da humanidade.

DdAB
Imagem daqui. Claro que aquelas mãos das minorias brancas serão substituídas permanentemente ou em rodízios...
P.S. Sempre digo que o governo mundial surgirá ainda no século XXI exalando sangue, suor e lágrimas por todos os poros. E que quero dizer com esta postagem? Que tragédias como Chernobil, o ebola, o estado islâmico forçam a consciência da necessidade do governo mundial!

16 outubro, 2014

Reindustrialização: prepara-se para o pior


Querido diário:

Depois de se ter festejado a desindustrialização no Brasil, começa-se a falar em reindustrialização. Ou melhor, começa-se a falar em políticas econômicas governamentais que favoreçam a indústria, a expansão do setor industrial. Ou seja, de empresas que produzam predominantemente bens industrializados. "Que é indústria?, que é indústria?" devemos começar a indagar.

Como é que se pretende reindustrializar?

.a. incentivar o surgimento do capitalismo brasileiro?
.b. expandir a ação do governo (a ação das "estatais")?
.c. repatriar os capitais das multinacionais que já produziram no Brasil e foram para a China?
.d. trazer de volta os capitais brasileiros que para lá se foram?
.e. ou apenas levar o governo a prover serviços, como a educação, a saúde, a previdência e a segurança? Mesmo neste caso, os produtos industriais (carteiras, cadeiras, computadores, lancheiras, cozinhas industriais, centros esportivos) poderiam ser produzidos localmente ou importados, dependendo das conveniências de preços e prazos!

O que o Planeta 23 recomenda é que se crie vergonha e comece a  gastar especialmente no setor serviços que produzem bens públicos (segurança pública, justiça, saneamento) e outros que produzem bens de mérito (educação, saúde, pesquisa tecnológica, previdência social). E tem mais: esse negócio de que o BNDES tem dinheiro para financiar a grande indústria é outra vergonha nacional. Por que não financiar a pequena empresa nacional? Por que não abrir a economia? Por que não criar linhas de crédito para a pequena empresa, na linha do que prescrevemos na aba vertical da direita deste blog: dar uma bolsa de estudos para alguém estudar três horas por dia (empreendedorismo, português, matemática, montagem de planos de negócios, matriz de insumo-produto da empresa), exercitar-se mais três horas e fazer trabalho comunitário nas três horas restantes.

A chapa Dilma-Aécio vai fazer isto? A chapa Marina-Finado Eduardo faria? Aposto que não, aposto que perderemos mais quatro anos, que nosso índice de Gini não baixará de 0,5 e talvez até suba, retomando seus áureos picos de 0,65. Aposto que beberei!

DdAB
A imagem vem daqui.

15 outubro, 2014

Querelas do Brasil: income inequality in Brazil


Querido diário:

Esta postagem reúne dois traços da realidade brasileira retirada da internet, ou melhor, de duas fontes idôneas que chegaram a minhas mãos por meio da internet.

Primeira fonte
A primeira é a nova base de dados para comparações internacionais em diversas dimensões, destacando cá eu a distribuição da renda. A postagem de Leonardo Monasterio em que ela aparece está aqui. E a fonte dele está aqui, aliás disponível no próprio site do LeoMon. Não contendo a curiosidade, antes de encomendar minha própria cópia em PDF, uma vez que a base de dados está disponível independentemente da publicação, dela retirei a tabela que nos encima. Eu nunca vira estimativas tão antigas para o índice de Gini da colônia do Brazil, mais tarde império e república, chegando à Federativa do Brasil.

Eu nunca vira estimativas tão antigas do índice de Gini e o atropelo de aposentado em que fui socado não me permitiu ver/ler as notas metodológicas da fonte dos dados. Vou fazê-lo em outra oportunidade, o que não é especialmente relevante para dizer o que agora menciono. Primeiro, aquele 0,55 de 1960 contrasta com a informação oficial, o índice de Gini calculado pela primeira vez pelo IBGE naquele censo cujos resultados até hoje estão sendo processados, pois houve uma greve da modelar instituição estatística nacional bem durante o censo! O número derivado do censo é 0,49. Então há um viés que precisa ser explicado por alguém.

Se os dados são mesmo idôneos, e se esquecermos provisoriamente esta discrepância dos 0,5543 de 1960, poderemos dizer:

.a. era um país desigual (ainda que com os Ginis inferiores a 0,40, o que nos dá, nos dias que correm, a desigualdade dos Esteites,
.b. mas a ruptura para a desigualdade escandalosa veio mesmo foi em 1929, o que não poderia dever-se à crise, que espocou lá pelo final do ano e não poderia ter afetado tão escandalosamente a economia local, pois os dados do PIB real do Ipeadata não mostram variações significativas.

E aditar mais um dado. Nos artigos (1) e (2) abaixo, imiscuí-me sozinho e acompanhado a mexer no Método Delphi. E, em algum daqueles momentos, não resisti à tentação de reconstruir a matriz de insumo-produto de 1949. E, nesse contexto, baseando-me na matriz (existente) de 1959, também fiz estimativas para conhecer o consumo das famílias distribuído por quatro classes de renda originárias de minha tese de doutorado. Então calculei os índices de Gini desses consumos das famílias estimados para 1949 e 1959. Claro que isto correlaciona com o índice de Gini para o PIB. E constatei que o índice do consumo das famílias de 1949 era menor que o de 1959, o que me leva a suspeitar que a renda era menos concentrada em 1949 relativamente a 1959. E eu diria que inferior àqueles 0,49 do banco de dados.


Segunda fonte
A segunda fonte idônea que me chegou às mãos é a letra a canção "Querelas do Brasil", dada aqui na Wikipedia como "Querellas do Brasil". E manda a letra para cá. Pela eufonia capturada na gravação de Elis Regina (aqui), jurei que o início é "O Brasil não conhece o Brazil" e depois "O Brazil nunca foi ao Brasil", e não o que lá consta, supondo que os próprios autores da canção, como de resto, Elis Regina, César Camargo Mariano e tantos outros não soubessem que tivemos "Brazil" até 1943, quando o sr. Américo Pisca-Pisca reformou a natureza e, com ela, a língua portuguesa falada no Brasil, que então passou a ser grafado com "s". Talvez seja esta mesmo a grande querela: será que foram os americanos que nos começaram a chamar de Brazil com z ou fomos nós que nos atiramos aos pés de um ideário de uma língua comum com a Europa que desprezamos a forma com os próprios descobridores grafaram o afamado pau brazil? Em favor do respeito exibido pelos falantes da língua inglesa às grafias originais, temos Brasília que se escreve com s mesmo, pois o termo surgiu precisamente depois daquela sandice de mudar o nome do país de Brazil para Brasil.

Então cá está a letra desta e daquelas querelas. Farei depois alguns outros alongados comentários. Ei-la:

Querelas do Brasil
(Maurício Tapajós e Aldir Blanc,
gravada por Elis Regina em 1978 no disco "Transversal do Tempo"
e editadazinhas do prof. Myself).

O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil


Tapir, jabuti, liana, alamandra, ali, alaúde
Piau, ururau, aqui, ataúde
Piá, carioca, porecramecrã
Jobim akarore, Jobim-açu
Oh, oh, oh

Pererê, camará, tororó, olererê
Piriri, ratatá, caratê, olará

Pererê, camará, tororó, olererê
Piriri, ratatá, caratê, olará

O Brazil não merece o Brasil
O Brazil tá matando o Brasil

Jereba, saci, caandrades
Cunhãs, ariranha, aranha
Sertões, Guimarães, bachianas, águas
E marionaíma, ariraribóia,
Na aura das mãos de Jobim-açu
Oh, oh, oh


Jererê, sarará, cururu, olerê
Blablablá, bafafá, sururu, olará
Jererê, sarará, cururu, olerê
Blablablá, bafafá, sururu, olará

Do Brasil, SOS ao Brasil
Do Brasil, SOS ao Brasil
Do Brasil, SOS ao Brasil


Tinhorão, urutu, sucuri
O Jobim, sabiá, bem-te-vi
Cabuçu, cordovil, cachambi, olerê
Madureira, Olaria e Bangu, olará
Cascadura, Água Santa, Acari, olerê
Ipanema e Nova Iguaçu, olará

Do Brasil, SOS ao Brasil
Do Brasil, SOS ao Brasil


E tá aqui a lista de palavras que não me parecem de todo óbvias, ou melhor, cujo significado é dado apenas pelo contexto de todo o conjunto da canção:

acari, alamandra, alaúde, aranha, ariranha, arirariboia, ataúde, bachiana, bafafá, bem-te-vi, cabuçu, blablablá, caandrades, cunhã, Cachambi, carioca, camará, Cordovil, cururu, Guimarães, Ipanema, jabuti, jereba, jererê, Jobim akarore, Jobim-açu, karatê, liana, marionaíma, Nova Iguaçu, olará-olerê-olererê, Madureira, Olaria e Bangu, Cascadura, Água Santa, Pererê, piá, piau, piriri, porecramecrã, ratatá, sabiá, saci, sarará, Sertões, sucuri, sururu, tapir, tinhorão, tororó, ururau e urutu.

E aqui um "passo-a-passo" deste negócio todo.

acari: pode ser um peixe ou um mamífero, pelo que entendi do Aurelião,

alamandra: não está no Aurelião, mas a internet dá como um arbusto,

alaúde: procurei este alialaúde no Aurelião e nada encontrei. Fiquei imaginando ser "ali" e "alaúde", ou seria um "ali está o alaúde". Não satisfeito, procurei na internet e achei isto aqui. Tem uma lista que não contempla alaúde. Vou postar aqui e remeter de lá para cá.

aranha: acho que é aranha mesmo, mas tem outro significado interiorano de carroça "esportiva" tirada (gostou?) por um único cavalo,

ariranha: ariranha mesmo

arirariboia: não tem no Aurelião, mas aqui diz que é um peixe (3),

ataúde: é caixão mesmo,

bachiana: estamos falando, claro, de Heitor Villa-Lobos e as peças musicais Bachianas Brasileiras, 

bafafá: tumulto, confusão, cf. Aurelião.

bem-te-vi: passarinho

cabuçu: um certo tatu,

blá-blá-blá: aqui até o Aurelião tropeçou, pois fala em uma gíria brasileira, quando é certamente algo universal, a julgar pela língua inglesa (4). Neste site aqui, fala-se bastante no tema e afirma-se que blá-blá-blá origina-se do francês. Meu dicionário de etimologia não fala nada.

caandrades: meu palpite é que isto tem a ver com os irmãos Andradas, em particular Antonio Carlos, aquela negadinha da Independência do Brazil), mas olha só que palpite furado, como constatei ao ler aqui (5)

cunhã: mulher, moça (em tupi)

cachambi: Em tupi, "mata verde", 

camará: parece-me ser apenas "camarada", conforme o canto do jogo da capoeira. Ainda bem que eu disse "parece", pois fui olhar no dicionário e achei que é simplesmente um arbusto ornamental da família das verbenáceas (o que me lembrou os shampoos Verbenas),

carioca: em tupi, significa "casa do branco",

Cordovil: é um bairro do Rio de Janeiro, mas também acho que o letrista estava se referindo ao costureiro Clodovil, figura popularíssima no Brasil daqueles tempos de Transversal do Tempo.

cururu: vai de sapo até dança de roda,

Guimarães: naturalmente estamos falando de João Guimarães Rosa e seus sertões, no caso, o Grande Sertão: veredas.

Ipanema: diz-nos o blog de Simone Lima (ver lá prá baixo) que é lago fedorento,

jabuti: cágado,

jereba: é de tudo, desde matungo (epa!) até meretriz,

jererê: baseado (de maconha),

Jobim akarore: dá uma enciclopédia. Jobim é, claro, Tom Jobim, ao passo que akarore está na parada por causa, juro, da canção do disco de Paul McCartney (aqui). Claro que uma análise com carbono 14 pode permitir-nos saber se o disco do Paul é anterior à Transversal do Tempo,

Jobim-açu: volta Tom Jobim; açu quer dizer grande, ergo temos um elogio ao tamanho do talento de Tom. O lado alegre é que há uma rádio (6) que só toca canções de autoria lá dele. O lado triste é que a canção "Triste" é um plagio do segundo movimento do Concerto n. 1 de Mario Castelnuovo-Tedesco (aqui, aos 6min40seg da gravação, composto em 1939).

caratê: Japanese fight,

liana: é uma erva com lindas flores amarelas (só?),

Marionaíma: claro que é Mário de Andrade e seu "Macunaíma", o herói sem nenhum caráter,

Nova Iguaçu: parece que é a queda dágua, mas principalmente a cidade da Grande Rio, onde pinta muita violência,

olará-olerê-olererê: parece-me serem apenas interjeições

Madureira, Olaria e Bangu, Cascadura, Água Santa: mais bairros de ocupação por populações mais para pobres que para ricas. Este Água Santa, não sei, não: poderia ser cachaça...

Pererê: é o saci. E se tem maiúscula deve estar citando o Pererê de Ziraldo,

piá: guri,

piau: vai de peixe a surra, e -como sabemos- o sufixo "i" é o diminutivo em tupi, logo Piauí é algum peixinho ou uma sova de pequeno porte,

piriri: vai de arbusto a churrio,

porecramecrã: olha novamente a Simone Jobim lá no final,

ratatá: não achei bem o significado, que não tem no Aurelião. Mas parece-me uma onomatopeia (na linha de Simone de Lima,

sabiá: claro que sabiá é um passarinho, mas aqui também acho que o letrista está apontando para a composição de Chico Buarque e Tom Jobim cuja letra encontrei aqui,

saci: o saci-pererê, ao passo que a Wikipedia também fala em saci-cererê, matimpererê, matita perê, saci-saçurá e saci-trique. Este matita perê ouvi pela primeira vez, creio, naquele "Águas de Março" da mesma Elis Regina e do mesmo Tom Jobim,

sarará: diz o Aurelião que, na língua tupi, significa "que tem pelos ruivos", mas que parece que se tornou sinônomo de albino. Mas também quer dizer simplesmente ruivo, "foguinho".

Sertões: claro que fala em Guimarães Rosa e claro que está falando de Euclydes da Cunha,

sucuri: cobra, com mil termos equivalentes, inclusive a anaconda,

sururu: primeiro é um "molusco bivalve", e depois é um quebra-pau mesmo,

tapir: anta,

tinhorão: fala na folhagem e também,claro, fala no crítico musical José Ramos Tinhorão, 

tororó: é capaz de ser uma moreia.

ururau: jacaré, um dos deles,

urutu: além do significado da cobra, também conhecida como cruzeira ou cruzeiro, temos o tanque produzido pela indústria brasileira de material bélico.

Pode?

DdAB

(1) BÊRNI, Duilio de Avila. O Método Delphi e a descrição da mudança estrutural no Brasil. Economia Aplicada, v. 7, n. 2, p. 413-432, abr./jun. 2003.

(2) BÊRNI, Duilio de Avila; MARQUETTI, Adalmir e CÁNDANO, Fábio. Evolução setorial da economia brasileira entre 2002 e 2020: do passado ao futuro com o método Delphi. Análise Econômica, V. 24 n. 45, 2006. 

(3) Cara, bicho, gente. Este blog é um espanto, pena que -aparentemente- de vida curta. Olha aqui a postagem que achei com aquele "arirariboia" lá de cima:
21 de outubro de 2011
Topônimos de origem tupi:
(ordem em que os topônimos aparecem na letra da música “Querelas do Brasil” (1980)
1. Tapir / Tapira: anta.
2. Jabuti: réptil quelônio; Yabutil: povo indígena de língua isolada, e que habitava a margem esquerda do Rio Branco (RO).
3. Piau / Piaba: pele manchada.
4. Ururau: jacaré-de-papo-amarelo.
5. Piá: índio jovem; menino.
6. Carioca: casa do branco; natural ou habitante da cidade do Rio de Janeiro.
7. Açu: grande.
8. Camará / Cambará: arbusto ornamental.
9. Tororó/ Mororó: "conversa fiada"; aparado em excesso.
10. Piriri: arbusto; diarréia.
11. Jereba: o que se revira; animal ruim de montaria, magro e/ou fraco; indivíduo desajeitado ou desleixado.
12. Saci: popular entidade fantástica do Brasil, negrinho de uma só perna, de cachimbo e com barrete vermelho (fonte, este último, de seus poderes mágicos). E que, consoante a crença popular, persegue os viajantes ou lhes arma ciladas pelo caminho; saci-cererê, saci-pererê, matimpererê, martim-pererê, matintapereira, matintaperereca e matintaperê).
13. Cunhãs: mulheres.
14. Ariranha: mamífero carnívoro, conhecido como onça d'água.
15. Ariraribóia: cobra arara.
16. Jererê/ Jereré: rede para pesca de pequenos peixes, siris, camarões.
17. Sarará: que tem pelos ruivos; cor alourada ou arruivada do cabelo muito crespo característico de certos mulatos.
18. Cururu: sapo.
19. Tinhorão: tajá amargo; erva ornamental; ará, tajurá e tajá.
20. Urutu: ofídio; cobra venenosíssima.
21. Sucuri: cobra, chega à 10,0m. de comprimento, vive na água, rios e lagos, alimenta-se de peixes, aves e mamíferos, que engole após triturar-lhes os ossos por compressão muscular.
22. Sabiá: espécie de ave.
23. Cabuçu/ Cabussu: tatu de rabo mole.
24. Acari: peixe, cascudo.
25. Ipanema: lago fedorento, água imprestável.
26. Iguaçu: rio grande; água grande.

l Akarone/Akarore: significado não encontrado e/ou definido em dicionário, embora pareça de origem indígena.
l Bem-te-vi: o mesmo que pituã (origem tupi), "triste vida".
l Porecramecrã: (topônimo indígena), indivíduo dos porecramecras [Porekramekra], povo indígena extinto, da família linguística timbira, tronco makro-jê, que habitava as margens do rio Tocantins (MA e TO).
l Ujobim: (topônimo indígena) ref. Cajobim, espécie de galinha.
Os topônimos de origem tupi, na canção “Querelas do Brasil” (1980- Aldir Blanc e Maurício Tapajós) podem ser classificados, na sua maioria, conforme o seu significado lexical, como: fitotopônimos (designativos dados em função da flora), híbridos (junção de designativos de origens diversas) e zootopônimos (designativos dados em função da fauna).

Postado por Simone Lima às 21:04.

(4) Em inglês, é blah blah blah. Meu amado Cirne-Lima lá em sua página 142 diz que esta palavra é o original que, em grego, gerou "bar-ba-rô", bárbaro, ou seja, alguém que não fala nossa língua.

(5) Agora olha que maravilha. Então caandrades é Carlos Drummond de Andrade, que leio desde tenra idade (hehehe, que ele não me leia...):
21 de outubro de 2011
Neologismos na música “Querelas do Brasil”
Por: Simone Maria de Lima
O autor, Aldir Blanc, utilizou-se dos neologismos para inventar, criar novos nomes, com a função de homenagear autores importantes para a cultura brasileira, com o intuito de recuperar as riquezas culturais do país. Os topônimos designados pelo autor são:
Jobim-açu: o Grande(açu) Jobim, referindo-se ao maestro Tom Jobim.
Caandrades: o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Marionaíma: o grande escritor Mário de Andrade e sua obra: “Macunaíma”.

(6) Passo a passo para chegar à Rádio Jobim:
.1. clicar no link www.accuradio.com
.2. há um espaço no canto superior direito que diz: "search by artist or keyword"
.3. aí colocas: jazz
.4. e aí desces o cursor até chegar no "Composers": Jobim. É bem lá embaixo. E antes dele tem outra chamada para Jobim, que não é aquela.

P.S. pensei em outros versos:
Boitatá, passapé, Olodum,
Olerê
Leão de chácara, bafo de onça, cangebrina
Olará.

E poderíamos seguir com milhares de palavras que dariam conhecimento do Brasil ao Brazil. Mas não devemos esquecer que o Brazil é que é o original.

14 outubro, 2014

Drogas: sobrou algo?


Querido diário:

O que segue será uma postagem ou um paper? Quem aguentar poderá responder. O título quer dizer que, em minha maneira de ver o Brasil destes últimos 30 ou 40 anos (ou seja, os anos adultos de minha vida), a resposta é que sobrou alguma coisa, embora a marca da destruição esteja presente em praticamente todas as dimensões da vida nacional: sistema judiciário, executivo e legislativo, família.

O problema das drogas, portanto, tem dimensões próprias, recendendo à polícia, à medicina e à economia, quando não mais tantos outros. Mas também existe o problema moral: o conceito de droga recreativa mal é assimilado por quem discute o assunto. Sabemos que não é sensato da parte da sociedade dar excessivo poder decisório às crianças, criminosos e loucos, mas -descontando este trio- não há razão que impeça um indivíduo normal, passível de candidatura a algum cargo eletivo (epa!), essas coisas, de, por exemplo, decidir encher a cara no fim-de-semana, ou fumar uns baseados nas férias.

Um bom número de pessoas envolvidas no debate pensa sobre o assunto portando avantajadas viseiras erguidas pelas motivações inconscientes e pela ideologia. Parece óbvio que essas pessoas depreciem tanto os antagonistas no debate que chegam a atribuir-lhes intenções de destruição da família e das instituições e principalmente desejo de ver o consumo das drogas elevado. O que deve pautar um debate respeitoso entre agentes racionais é que todos desejam ver o consumo reduzido, todos desejam ver a corrupção afastada das diferentes dimensões da vida social hoje tão comprometidas pelas drogas.

Claro que as drogas viciantes envolvem o problema do consumo compulsivo já tradado adequadamente na literatura pertinente. Praticamente por definição, um bem de consumo compulsivo requer doses crescentes. Mas, sabendo disto, as pessoas que lidarem com o problema das drogas em outro contexto ideológico e moral deverão criar mecanismos para reduzirem a compulsão. E o mesmo vale para outros bens de demérito, como o jogo de azar (bingo, loto, pôquer).

Tenho dito afanosamente que a lei da oferta e da procura é mais imanente do que a lei da gravidade, quando se trata de explicar comportamentos humanos. No caso, as drogas obedecem maravilhosamente aos imperativos da primeira e seria ilusório pensarmos na criação de uma solução permanente para o problema sem o enquadrarmos nos contornos da lei da oferta e procura. Há mercado para bens de demérito, como esse de consumo extremamente indesejável? A solução que vislumbro para ele é sua destruição: distribuição das drogas gratuitamente para os viciados (os loucos do trio crianças-criminosos-loucos). Na Europa hoje já passa de um milhar o número de cidades europeias que contam com salas de consumo e sabe-se que a primeira consequência desta implantação é que o número de crimes nas áreas tradicionais de comércio de drogas das cidades é notavelmente reduzida.

Depois tem aqueles que dizem que as drogas leves são "porta de entrada" no mundo das drogas pesadas, como se a hipótese alternativa não devesse passar a também ser considerada: apenas indivíduos desequilibrados é que fazem esta escalada na qualidade da droga e em sua quantidade. O interessante é que este debate às vezes aparece na imprensa, como o fez há uns quatro anos nas páginas do jornal Zero Hora. Mas, desde então, há tantos fatos novos, o último deles sendo a defesa da revisão da política voltada ao problema da maconha nos Estados Unidos feita pelo jornal New York Times (aqui). Claro que isto gerará polêmicas longas, mas a vitória será, claro, de mais liberdade concedida ao indivíduo e menos controle governamental sobre banalidades da vida!

Há dois pontos a considerar, para concluir. Primeiro: se as drogas comprometem o funcionamento harmônico de uma sociedade institucionalmente avançada como os Estados Unidos, que dizer de países como o Paraguay ou o Brasil? Segundo: que será de nós se ficarmos esperando pelo que acontece nos Estados Unidos, no dia em que eles decidirem liberar o consumo da maconha, ou fizerem políticas como a que acabo de preconizar, no sentido de distribuir gratuitamente as drogas pesadas e tratar de curar os viciados?

DdAB
Imagem: lá do New York Times.
P.S.: esta é uma postagem que não requer a exclamação "só bebendo", hehehe.

13 outubro, 2014

Ulysses: não era gilete


Querido diário:

Desde a página 9 da tradução de Ulysses feita por Antônio Houaiss, Buck Mulligan está fazendo a barba. E aí -revelação- na página 13, Houaiss traduz como:

Dobrou com esmero a navalha e com golpes de ponta de dedo massageou a pele macia.
(Original do projeto Gutemberg:
He folded his razor neatly and with stroking palps of fingers felt the smooth skin.)

Quer dizer, um aparelho de gilete para fazer a barba não se deixa dobrar (fold, ou, para o que seja, unfold) apenas desmontar. Com isto dei-me conta de que aquela tradução em que inseri a gilete era falaciosa. Ulysses não tinha gilete, tinha navalha.

Em outras palavras, um aparelho de gilete não se desdobra: se desmonta. Ainda que naquele tempo o aparelho de gilete já estivesse disponível (pelo que de melhor posso julgar) na Irlanda, parece mesmo que Joyce queria dizer que Buck usava uma navalha de barba.

Ou seja, quando traduzi a primeira sentença como:

Imponente, o gordacho Buck Mulligan pintou no alto da escada com uma tigela de barba cheia de espuma, mas não ao ponto de esconder o aparelho de gilete cruzado sobre um espelhinho.

e ainda:

Imponente, o gordacho Buck Mulligan surgiu no balaústre da escada. Ao fazê-lo, ele segurava uma tigela com espuma de barbear, mas não atrolhada a ponto de esconder o  aparelho de gilete entrecruzado sobre um espelhinho.

com aquele "aparelho de gilete", cometi um erro, claro, o que não me impede a correção:

Imponente, o gordacho Buck Mulligan surgiu no balaústre da escada segurando uma tigela com espuma de barbear, mas não atrolhada a ponto de esconder a navalha entrecruzando o pincel sobre um espelhinho.

E ainda:

Imponente, o gordacho Buck Mulligan surgiu no balaústre da escada segurando uma tigela com espuma de barbear contendo um espelhinho rachado sobre o qual se entrecruzavam uma navalha e um pincel.

Aliás este mundo das palavras é engraçado, pois o nome do fundador da gilete é Gilette, mas a palavra entrou como ali aportuguesada em nosso vernáculo. E deverá sair, no devido tempo, se os hábitos e tecnologias de barbear se modificarem um pouco mais. Hoje temos a turma do barbeador elétrico e a turma do "aparelho de barbear" de duas ou três lâminas. Aliás por aliás, acho que já registrei que vi uma propaganda do aparelho elétrico da Phillips dizer-se superior aos de três lâminas, pois tem 36.

DdAB
A imagem veio daqui e editei-a aqui e ali.

10 outubro, 2014

Troteando na Rede: mesoeconomia


Querido diário:
Volta e meia digo às pessoas de carne-e-osso tangíveis que costumo correr três vezes por semana no Parque Marinha do Brasil em Porto Alegre. Isto, claro, é uma série de exageros. Primeiro, não é "corrida" e sim um "trotezito". Segundo, não é bem lá três vezes na semana, pois quase sempre há uma encrenca (chuva, frio, cansaço, doença) que me impede de fazer o exercício, digamos, mais de cinco ou seis ou até sete vezes seguidas.

Seja como for, o trote é meu conhecido... Como tal, andei troteando pela internet e achei estas coordenadas aqui. Nunca vira nada parecido!!!

DdAB
Isto fica aqui para o caso de retirarem o material do YouTube:

09 outubro, 2014

Bolsa Família e Voto Facultativo


Querido diário:

Li tanta coisa sobre bolsa família e voto facultativo na ZH de hoje que decidi postar um longo arrazoado sobre o tema. Tudo começou pelo lado alegre. Na página 30, Michel Gralha (e-mail michel@zavagnagralha.com.br) tem um artigo naquela nova seção "Em Dia", levando o título de "Voto Facultativo". Achei genial e decidi escrever a ele, congratulando-o, congratulando-me. Mas também tem o lado escalafobético, representado por centenas de manifestações, digo, uma boa meia dúzia, que vou referir in due time no que segue.

Michel Gralha tem dois pontos que volta e meia defendo neste blog por diferentes linhas de argumentação altamente elegantes (os dele, compreendeu?) e portadora de lógica escorreita:

.a. o programa Bolsa Família é uma realidade perene, pois -diz ele- que:

Os candidatos a presidente, indistintamente, fizeram do programa Bolsa Família seu principal cabo eleitoral. Trata-se de um projeto amplo e que nenhum presidenciável suprimirá da população, e é preciso avaliar seus efeitos no voto.

.b. a obrigatoriedade do voto no Brasil é um constrangimento especialmente significativo para quem recebe estipêndios do programa Bolsa Família:

Há algum tempo já se questiona se os programas assistencialistas influenciam nas eleições. Seria o conflito de interesse, por exemplo, um beneficiário votar? Não seria como votar no patrão? ?Temos muito a refletir. E qual seria a solução? [...] Nesse caminho, poderíamos começar pelo voto facultativo. Essa, que é uma realidade nos países desenvolvidos, talvez melhorasse a qualidade do pleito eleitoral e preservasse um princípio básico: a liberdade dos cidadãos em exercer ou não seu dever cívico.

Que posso comentar? Até já escrevi, com Brena Fernandez (1), sobre isto: em um problema de escolha iterativa sempre que as estratégias disponíveis para um jogador Bina mostram uma delas (e.g., não comparecer às urnas) como melhor do que qualquer outra (no caso, sair de casa, deslocar-se, votar, etc.) independentemente de Dino, no caso, votar ou não votar, dizemos que esta estratégia (Bina vota se quiser) domina a estratégia alternativa (Bina é obrigada a votar). Ou seja, um sistema eleitoral que induz a sociedade a conviver com uma solução distante da estratégia dominante só pode resultar em encrenca!

E que achei genial no insight de Michel Gralha? É que as acusações do uso de uma migalha aos despossuídos para fins eleitoreiros ficaria totalmente sepultado em uma cultura de voto facultativo: vota quem quer, por amor, ódio, a favor do status quo, contra ele, o que bem entender. E, sendo o voto secreto (sem fraude), ele não será individualmente nem beneficiado nem prejudicado por escolher o que bem entender.

E que é ainda mais democrático do que um programa do tipo "dar dinheiro para pobre"? Parece óbvio: dar dinheiro para todos, uma vez que todos são iguais perante a lei. Se um despossuído ganha, digamos, miseráveis R$ 500 por mês a título de renda básica (2), e todos os demais brasileiros (digamos, integrantes da população economicamente ativa) também ganham, então todos são iguais perante a lei. E um cidadão que ganha, digamos, R$ 30.000 + 4.200 mensais (os juízes e seu auxílio moradia), também ganhar esses R$ 500, ele pode descontar os R$ 6.000 anuais do programa Renda Básica de seu imposto de renda.

Obvio que um projeto desta natureza (isto é, a renda básica), diferentemente do voto facultativo que poderia vigorar já nas próximas eleições, precisa ser implantado em mais de um período, pois a sociedade e suas burras devem adequar-se gradativamente. Disse Alfred Marshall: natura non facit saltum. Ou seja, para que um programa de mudança estrutural na distribuição do valor adicionado da sociedade não seja escalafobético, é necessário que o sistema econômico tampouco dê saltos.

E que mais li em Zero Hora? Confesso que nem li... Ou melhor, duas páginas adiante do artigo produzido con la cabeza por Michel Gralha, vem o editorial do jornal. A ementa diz:

O país precisa lutar para que as pessoas saiam do Bolsa família, com estímulo ao estudo e à oferta de emprego, e não para que continuem cativas da ajuda oficial do Estado.

Pensei que apenas esta sentença inviabiliza, na visão de meu cardiologista, que eu leia o restante. É tanta sandice, tanto "o que deve ser" que fiquei pensando que será que eu mesmo não estou neste vagão dos que querem que seu voto ou opinião sejam dominantes (os ditadores esclarecidos de Keneth Arrow)? Claro que não: sempre que se adota uma estratégia dominante, não há dúvida de que ninguém pode ficar melhor se adotar uma estratégia alternativa. No voto é óbvio: não sendo obrigado votar, nada me impede de fazê-lo. E na Renda Básica também: se não quero gastá-la em bebida, posso abatê-la de meu imposto de renda, algo assim, ou mesmo ter o crédito feito pelo Tesouro Nacional em minha conta realizado apenas após minha autorização: não devo ser obrigado a receber a grana.

Então chega do editorial. Mas na página seguinte, já tropiquei no artigo da juíza Naele Ochoa Piazzeta, desembargadora do TJRS), cujo título é "O Pulso ainda Pulsa":

Um país não pode ter suas políticas voltadas unicamente aos menos favorecidos. 

Pensei: é, è vero, não pode. Afinal, se um rapaz como Fernandinho Beira-Mar é milionário, as políticas públicas, de alguma forma, também devem contemplá-lo e dar-lhe tratamento digno. Por exemplo, um dentista na cadeia e mesmo um professor de filosofia moral e outro de filosofia política.

No mesmo parágrafo, a juíza aditou:

Deve [o país] atender a todos os estratos da população. E foi isto que fez o indivíduo que tem teto, que tem terra, que tem emprego, que paga impostos, que não faz baderna, que bate ponto, que cumpre as regras sociais: ergueu a voz e o título de eleitor firme no desejo por mudanças. [...] Escolheu dizer não ao fisiologismo, ao paternalismo que cabresteia, ao sumidouro sem fim do dinheiro público desviado de obras essenciais para o bolso de políticos, empresários, empreiteiras.
   Escolheu a manutenção do auxílio aos menos favorecidos com a perspectiva de que não o será para sempre. Escolheu educação, saúde e segurança pública. Escolheu um país livre de grilhões.

Claro que esse tipo de abordagem sempre me deixa contrafeito. Primeiro, inspirado na medicina baseada em evidência, indago, como saberá a juíza que o indivíduo que tem teto, etc. escolheu mesmo viver em um país sem grilhões (3)? Uma coisa é ter pensamento normativo: quero o fim da impunidade. E outra é eu adivinhar ou saber por fontes de validade interpessoal que "o povo quer impunidade, ou seu fim, só uma das duas e não ambas". Parece que a juíza deseja, no país do índice de Gini de 0,50, ter em sua casa "o abrigo inviolável do indivíduo" (era isto?), em seu emprego uma fonte de realização e afirmação social, bater seu pontinho quatro vezes por dia (ida e frida), votar, gritar por mudanças. Mas como ela sabe que eu também quero isto? Como sabe o que pensam os demais indivíduos que têm teto, etc.? "O indivíduo" tem o quantificador universal "todo indivíduo", que difere de quase todos, muitos, alguns, poucos, nenhum, e por aí vai.

Mas tem algo interessante nesta fala privilegiada. Primeiro, de acordo com a lei federal n. 10835 (nota 2 lá embaixo), os menos e os mais favorecidos terão o auxílio da Renda Básica a perspectiva de terem esse estipêndio para sempre, para um tempo em que a produtividade do trabalho não cessa de crescer, em que a barreira das necessidades fundamentais já está varrido, a fome acabou. Precisamente por causa do estonteante crescimento da produtividade foi que John Maynard Keynes falou no final dos anos 1920 em "desemprego tecnológico" (4). Ou seja, a fala da juíza não consegue perceber que não estamos mais no mundo do emprego para todos (até parece que acredita no milagre luleiro do mais baixo desemprego da história, milagre compatível com 20 milhões de empregos precários).

Agora o aspecto verdadeiramente interessante que retiro das reflexões que fiz sobre o artigo da sra. Naele. Uma vez que hoje contamos com uma extraordinária base de dados internacionais (países, suas regiões, municípios, cidades, seus bairros), muitas daquelas questões que há tempos foram objeto de controvérsia hoje têm respostas da mais alta qualidade permitida pelas técnicas estatísticas (amostragem, estimação). Uma delas, de importância fundamental para os defensores do igualitarismo (e até seus antagonistas, por que não?), diz respeito à relação entre crescimento e desigualdade. Parece haver maior complementaridade entre as sociedades portadoras das virtudes (aqui e ali) destacadas pela juíza (posse de teto, terra, emprego, capacidade de consumo, ordem) são precisamente as que mais crescem! E aí vem o problema: menos desigualdade se consegue com mais imposto de renda e gasto público universal. No primeiro caso, voto em alíquotas progressivas mais acentuadas do que estes 15% de 27,5% do Brasil contemporâneo. E no segundo, voto no SUS, nas cadeias para todos (os meliantes, destacando os políticos), no serviço municipal (emprego para todos os que querem ganhar mais que a renda básica e menos que o salário mínimo de mercado). Voto no futuro (e no presente acho que meu voto não serve para nada, não serviu para nada)!

DdAB
(1) Tá na página 77 de:
BÊRNI, Duilio de Avila e FERNANDEZ, Brena Paula Magno (2014) Teoria dos jogos; crenças, desejos, escolhas. São Paulo: Saraiva.
Um interessante exemplo de estratégia dominante associado à política decorre do preceito da constituição brasileira, que trata da obrigatoriedade do voto. O voto facultativo é uma estratégia dominante, pois obriga todos os que querem votar responsablemente y con la cabeza a fazerem-no, desobrigando do voto aqueles que não querem votar, independentemente de ser com a cabeça. Com o voto voluntário, quem quiser usar a cabeça ao votar, que use. Ao mesmo tempo, quando a cabeça nos impulsiona a não votar, não estamos diminuindo as opções eleitorais de quem deseja votar. Na verdade, parece existir uma caminhada inexorável rumo à implementação da estratégia dominante do voto facultativo. Primeiramente, por analogia à Lei dos Sexagenários, que deu um golpe na escravatura, o voto se tornou facultativo para maiores de 70 anos. Na linha da Lei do Ventre Livre, este também ganhou caráter facultativo para cidadãos com idade entre 16 e 18 anos. O preço nacional à desobediência à estratégia dominante do voto facultativo ainda se expressa em um divertido paradoxo: pelas atuais condições, não votar é crime, mas o criminoso tem seu direito de voto cassado. Se não votar, pode ser condenado a... não votar.

(2) A renda básica é um benefício da cidadania resultante de uma lei em vigor no país e que não tem sido cumprida neste país de encantadora bondade e maligna hipocrisia, pois simplesmente parece que a sociedade (ou melhor, seu segmento decisor das escolhas públicas) não é capaz de conviver com a ideia de "dar dinheiro para pobre". Que lei? Olha o que diz a Wikipedia aqui:

No Brasil, a lei n° 10.835/2004, de autoria do Senador Eduardo Suplicy, que institui a Renda Básica de Cidadania, foi aprovada por unanimidade no senado e sancionada pelo então Presidente da República em 8 de janeiro de 2004. De acordo com a lei, a aplicação deve ser feita de forma gradual começando pelos mais necessitados, com a evolução de programas de transferência de renda como o Bolsa Família.

(3) Depois de haver cantado aquela parte dos grilhões que nos forjava do hino da independência, decidi ir ao dicionário. E eis a terceira acepção do Aurelião: "corrente que prende os condenados, cadeia, algema". E fiquei pensando em que a juíza está falando? Em corrente, algema, ou -dada a impunidade resultante de um sistema judiciário ineficiente- em cadeias, cadeias de xilindró, país sem xilindró?

(4) Ver o maravilhoso artigo Possibilidades econômicas para os nossos netos, disponível aqui.

(5) A imagem veio daqui. E achei bonitinha e erradinha. Igualdade não é tratar a todos da mesma forma, mas diferenciar as oportunidades de acordo com as necessidades dos indivíduos. Ao ganhar os dois degraus na escadinha lá de cima, o baixinho está colocado em igualdade de condições com os demais. A matemática já ensina: igual não é sinônimo de idêntico. Um imposto de renda progressivo de alíquota de, digamos, 80% para quem ganha mais de R$ 50.000 mensais, iguala os primeiros R$ 1.000 do rico aos do pobre: ambos são isentos.

POST SCRIPTUM (20h de 2/nov/2014):
Nem sei bem como passei por aqui e decidi aditar isto. Aquela foto lá de cima mostra a "igualdade" de caixotes e não de meninos. E o que ele designa por "justiça" nada mais é do que tratar desigualmente os desiguais. Alguém acharia sensato obstruir a visão do pequenino dando-lhe um único caixote? Ou o melhor mesmo seria rebentar aquela cerca? Em outras palavras: justiça é que significa igualdade. Tratando os desiguais desigualmente, estamos tornando-os todos iguais perante uma norma mais inteligente do que a de tratar todos como se fossem caixotes.