24 agosto, 2013

Produtividade: o clube dos sem-noção

Querido diário:
Disse-me o Aurelião, conforme transcrevo in fine desta postagem, várias coisas para começarmos a entender o que se quer dizer, em língua vernácula, quando se fala em "produtividade". O quinto sentido que ele dá ao termo, caso seja usado por um estudioso/trabalhador das ciências empresariais, só pode qualificar este ser complexo como sem-noção, sem noção das posições que nos carregam ao ridículo e sem noção do que mesmo é que estamos tratando, ao ler (ZH, p.3, concorrida coluna de Túlio Milman):

Uma pesquisa da Universidade de Seul constatou que menos horas de trabalho não fazem os empregados mais felizes. Depois da implementação de uma política que diminuiu a semana, os coreanos ficaram mais estressados. Apesar de trabalharem menos, a pressão aumentou muito, já que as demandas continuaram as mesmas.

Esposando as quatro primeiras definição do Aurelião, pensei: só mesmo a turma sem-noção é que pode tornar-se mais feliz ao devotar mais horas de seu dia ao trabalho e não, por exemplo, à cachaça, à contemplação de obras de artes ou mesmo ao jogo de pelota. Repensei, pegando o que me parece o cerne da notinha: "menos horas de trabalho não fazem os empregados mais felizes". Descontando a relação que poderíamos -estando devidamente alcoolizados- considerar que, também na Bolívia, quanto menos os trabalhadores se esfalfarem, mais infelizes eles vão declarar-se. Quero dizer: a amostra da Universidade de Seul talvez não valha nem mesmo para Seul. Com a usual margem de erro de 2%, sabemos que, a cada 50 amostras, uma não vai funcionar. Mas não é isto o que quero enfatizar.

Formalizando e expandindo a frase lá de cima, podemos dizer que a felicidade de um trabalhador individual F é uma função do número de horas trabalhadas H, da pressão sobre o trabalhador considerado exercida, digamos, pela mulher dele M, da pressão exercida pelo patrão P (que quer que ele produza mais no mesmo tempo) e das demais pressões a que o indivíduo terráqueo contemporâneo é submetido em seu dia-a-dia D, e ainda de outros fatores que encapsulo em e. Esta sentença permite escrevermos o seguinte modelo empírico:

Equação 1   F = f(H, M, P, D, e).

E aí começa o estudo das respostas que as variações nestas quatro variáveis (ou as cinco) H, M, P e D (incluindo também e) impõem a F. Aposto que a pressão que a mulher (ou a sogra) do trabalhador entrevistado exerce sobre ele é muito maior do que o número de horas trabalhadas, deixando de lado o exame científico das demais variáveis da equação.

Caso isto fosse verdade, estaríamos vendo nada mais do que apenas um caso especial do caso geral da teoria do comportamento do consumidor (trabalhador, sinecurista, o que seja), de como ele divide seu tempo entre renda e lazer (supondo que renda é sinônimo de horas trabalhadas...).

Voltando à frase em destaque, chegamos a seu final. Ao lê-lo, torna-se claro que o fator que tirou o bem-estar dos trabalhadores com menores jornadas de trabalho de Seul não foi a redução. Quem o fez foi a variável P de nosso modelo empírico (chamo-o assim, pois ele pode dar lugar a digamos uma equação linear e ter seus parâmetros estimados por meio de métodos quantitativos adequados). Ter que dar conta do mesmo volume de trabalho em menos tempo pode ser estressante (para não falar que ter mais tempo disponível para comer carne de cachorro dá baixo astral). Mas, ao mesmo tempo, trabalhar menos é o que a humanidade vem fazendo (mesmo em tempos pré-capitalistas) sempre, sempre, sempre.

Meu exemplo preferido é a urgência que os cruzados europeus tinha em obter armas para dar combate aos turcos (ou sei lá quem mais) em Jerusalém. E os armeiros de então, com produção artesanal, não davam conta de tanta fé religiosa, precisando, assim mesmo, elevar a produção por dia, por hora, por segundo. E elevaram, tanto é que hoje, com tecnologias espantosamente diversas das que vigoravam naqueles tempos, produz-se tanta arma que o próprio planeta Terra poderia ser explodido milhares de vezes. E muito mais baratas. Pois produtividade alta é inimiga de preço alto. Não é impossível que porosidades durante o processo de implantação de mais capital possam implicar que o trabalhador deve usar mais tempo, mas é certo que isto não durará. Os incrementos na produtividade são algo perfeitamente característicos de amebas e homens. Mas só o homem transforma a natureza, e se transforma junto.

Outra consideração relevante é pensar quantas horas trabalhava-se há 100 anos e quantas horas se trabalha hoje. Claro que podemos sugerir que, na China, ainda se trabalham as mesmas 25 horas diárias. Mas devemos, neste caso, considerar que a China não é propriamente um mar de direitos trabalhistas, a classe trabalhadora não vive num paraíso, nem nunca viveu. Agrada-me pensar, para estes fins, mais na Finlândia e menos na Bolívia.

Então pensemos num trabalhador brasileiro, digamos, numa das fazendas em que ainda vigora a escravidão. Que preferiria ele, trabalhar quatro horas por dia ou manter-se nas 16 ou 20?

Há outra questão, ainda. No livro sobre felicidade, o prof. Richar Layard tem um capítulo específico discutindo o que parece levar o homem contemporâneo a ser menos feliz do que seus tetravós. Apenas os sem-noção é que vão meter a culpa no maior ócio. A hipótese que eu costumo sustentar (e que ainda não foi falsificada, no sentido de Karl Popper) é que todos os males do mundo, presentes, passados e futuros, se devem à má qualidade dos políticos brasileiros.
DdAB
Imagem: interessante blog aqui.

AURELIÃO:
[De produtivo + -(i)dade.]
S. f.
 1. Faculdade de produzir.
 2. Qualidade ou estado de produtivo.
 3. Econ.  Relação entre a quantidade ou valor produzido e a quantidade ou valor dos insumos aplicados à produção; eficiência produtiva.
 4. Rendimento (4).
 5. E. Ling. Uso regular de determinados padrões ou mesmo de afixos específicos na formação de palavras.[O sufixo -ção, p. ex., pode ser aposto a inúmeros verbos para criar um derivado que indique 'o ato de, o processo de', etc.]

u Produtividade do capital.  Econ.
 1. Quantidade produzida por unidade de capital investido.

u Produtividade do trabalho.  Econ.
 1. Quantidade produzida por unidade de trabalho.

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