17 junho, 2013

Bobagens Econômicas

Querido diário:
Lá o Leonardo Monastério tem seu "Prêmio Eço", conferido a quem diz destrambelhos econômicos. Hoje ofereço uma menção honrosa a Cláudio Benabucci, com o artigo "O Estopim das Crises. Desigualdade. Quando o 1% mais rico concentra 25% da renda, explode a 'bomba atômica econômica', diz o Nobel Joseph Stiglitz", que se lê nas p.50-52 de uma Carta Capital velhinha, datada de 12 de junho de 2013, recebida uns dias antes, mas apenas neste glorioso fim-de-semana nublado e às vezes chuvado é que foi processada.

Eu pensara haver desmoralizado completamente aquelas ideias de que a propensão marginal dos pobres, sendo menor do que a dos ricos, impede redistribuições em favor dos primeiros, se queremos dinamismo, se queremos crescimento econômico. Meus argumentos:

.a. a sociedade não é dividida apenas em pobres e ricos. Digamos que o mais pobre ganhe D$ 1 e o mais rico ganhe D$ 100. Segue-se logicamente que pode haver um pobre ganhando D$ 2 e um rico recebendo D$ 99. E assim por diante, para não falar no pobre de D$ 1,1 e no rico de D$ 99,9. Interessam para este argumento três indivíduos, nem pobres, nem ricos, digamos que os que ganham D$ 49, 50 e 51. Então, se a linha divisória entre pobres e ricos é mesmo esses utópicos D$ 50, quando há redistribuições dos ricos aos pobres, o de D$ 51 molha a mão do de D$ 49. Neste caso, a propensão a consumir deste rico e deste pobre não é substancialmente diferente. Mais ainda, se o rico, que ficou pobre, passou a consumir marginalmente mais, ele vai compensar o nouveau riche que, naturalmente, passará a consumir marginalmente menos. Isto significa que, na média, o que uns ganham compensa o que outros perdem.

.b. nos primeiros anos de minha carreira docente, eu impingia a bobagem tradicional aos pobres alunos, apostatando este negócio precisamente ao mergulhar (para ensinar) no modelo IS-LM. E isto me levou à segunda crítica desta xaropada. Agora passamos a olhar apenas o mercado de bens. Nele a condição de equilíbrio é que a renda (o produto, na verdade) é igual à despesa. Ou seja, estamos falando da igualdade entre duas das três óticas de cálculo do valor adicionado (e o produto ficou escondidinho ali entre parênteses).

Temos:
Y = C + I (a oferta de bens, ou melhor, a renda é igual à despesa, que se divide em consumo e investimento, pois não temos governo G nesta encrenca, nem setor externo X-exportações e M-importações; se tivéssemos, a equação seria Y = C + I + G + (X - M) (sem variação de estoques...)).
I = Io (o investimento não depende da renda; um dia, um aluno escreveu na prova I = 0 + 1 x Io e ganhou 10).
C = co + c1 x Y (o consumo tem uma componente autônoma e outra induzida pela renda, sendo que este fator de indução, nosso c1, chama-se de propensão marginal a consumir e, como acabo de argumentar, não deve responder muito escandalosamente a redistribuições de renda).

Desse modelo de três equações e três incógnitas (Y, C e I), montamos a equação reduzida do modelo da qual extrairemos o multiplicador:
Y = co + c1 x Y + Io
Y - c1 x Y = co + Io
Y x (1 - c1) = co + Io
Y = (co + Io) / (1 - c1).

Como sabemos, o multiplicador da equação reduzida de um modelo é obtido por meio do cálculo da derivada parcial da/s variável/is dependente com relação à independente (na verdade, não é bem assim este negócio de "como sabemos", pois só sabe isto quem estudou cálculo diferencial). Seja como for, o multiplicador da última das equações que acabamos de listar diz-nos de quanto varia a renda se o investimento varia de uma unidade. E a resposta é

dY/dI = k = 1/(1 - c1).

Ou seja, tomamos a propensão marginal a consumir c1, subtraímo-la da unidade e calculamos o inverso. Por exemplo, se a propensão marginal a consumir é 0,75 (ou seja, cada D$1 de aumento no investimento, a renda deve elevar-se em D$ 4, a fim de que o equilíbrio entre a oferta-renda e a demanda-despesa seja restaurado; se não se elevar, não restaura o equilíbrio, não é mesmo?).

Uma coisa que não é dita nos livros grandiloquentes é que exatamente o mesmo fenômeno acontece no caso do gasto autônomo co elevar-se nos mesmos D$ 1. Ou seja, a derivada dY/dco também é k.

Retomando: meus alunos eram obrigados a declarar terem entendido que este negócio é um modelo cuja interpretação não sugere que, quanto maior a propensão marginal a consumir, melhor para a economia, ao contrário. Quanto maior o valor do multiplicador, pior para a economia: é necessário maior crescimento da renda, a fim de que se restaure o equilíbrio. E isto não é bom. Mais fácil é retomar o equilíbrio, digamos, com um gasto de D$ 1 do que com o de D$ 1.000.000, não é isto?

Pois bem: não que eu já tenha dado aulas a algum prêmio nobel de economia, ao contrário. Em meus tempos gordos já assisti à aula de um ou outro deles. Lembro num encontro da ANPEC numa cidade serrana do Rio de Janeiro de ter visto Richard Stone. E vi, em Oxford, o futuro nobel Amartya Sen.

Em compensação, duvido que Stiglitz tenha dito o que este Cláudio Benabucci sugeriu. Diz o comentador, usando símbolos diferentes dos que usei anteriormente (tudo citadinho verbatim):

   O teorema de Stiglitz sobre 'distribuição e multiplicador' pode ser sintetizado na seguinte definição: se a má distribuição da riqueza acentua a desigualdade, então a propensão marginal ao consumo (C) diminui e o Índice de Gini (G) aumenta, o que provoca a diminuição do valor do multiplicador econômico, com base na fórmula > ml = 1/(1 - C)k(1/1-G).
   A elite econômica mundial, dessa forma, fica sem argumentos. Tudo indica que a equação de Stiglitz representa o ataque mais formidável até agora lançado aos já vacilantes fundamentos da economia mainstream. Pelo menos na batalha teórica. [...]

Que posso balbuciar?
.a. pedir que meu leitor acredite que eu acredito que ml quer dizer multiplicador, C quer dizer propensão marginal a consumir, G quer dizer índice de Gini e k retém o caráter de bíblico mistério. E tem mais, aquele 1/1 só pode dar 1, não é mesmo?
.b. maldizer minha sorte que decidi ler veículos da imprensa do porte daqueles que me caem na mão. Neste caso, a Carta Capital deixa-me louco, pois considero-a mais a meu lado do que a afamada Zero Herra. Talvez eu devesse passar a chamar esta Carta Capital de Capital dos Carta, que é de Mino Carta a chefatura do negócio.
.c. tenho boas razões para crer que a desigualdade não é benévola ao crescimento econômico, mas minha crença está baseada em argumentos mais sofisticados do que este modelinho elementar de determinação da renda usado para preparar o aluno para estudar algo ligeiramente mais realístico.
.d. em particular, o irrealismo deste diabo de modelo de primeira aula (no final do semestre o aluno já deverá tê-lo deixado para trás) vai ser corrigido com a possibilidade de que o investimento não seja autônomo, mas dependa da taxa de juros, que o inibirá. E que a taxa de juros também depende da demanda por moeda (e a afeta, claro, pois se x=f(y), então y=g(x), né?). Isto é, podemos pensar que variações na demanda por moeda implicarão variações em pilhas de coisas, inclusive a taxa de juros, o que fará o investimento também reagir.

[Acrescentado às 21h14min de 3/ju/2013: e, quando falamos em variações na demanda por moeda, muito provavelmente também estaremos mexendo no nível geral de preços. Deste modo, há dois fatores inibindo a ação daquele multiplicador lá de cima: os juros e os preços].
DdAB

Imagem: Uma vez que Joseph Stiglitz conhece muito mais teoria econômica do que eu, prefiro pensar que quem conhece menos é mesmo o Cláudio Benabucci, que terá entendido tudo de acordo com o modelo nada-a-ver. Tal é o caso do dodo da imagem de hoje, que não tem nada a ver com isto, mas foi obtido aqui.

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