17 junho, 2012

Ulysses: o "Y" da Questão

Querido diário:
De quantas palavras pode constar uma frase decente? É questão de falsificação ad hoc fácil. Stephen Pinker levou-me a entender que o tamanho máximo é infinito. Por exemplo, as duas primeiras deste parágrafo podem ser alongadas com: É questão de falsificação ad hoc fácil a determinação de quantas palavras podem constar numa frase decente. E aí começa. Digo que é questão de falsificação ad hoc fácil a determinação de quantas palavras podem constar numa frase decente. Digo e não duvido que é questão de falsificação ad hoc fácil a determinação de quantas palavras podem constar numa frase decente. Dizem que eu digo que é questão de falsificação ad hoc fácil a determinação de quantas palavras podem constar numa frase decente. E por aí vai, ad infinitum. Claro que, popperianamente, podemos ver que a palavra "decente" permite-nos impor limites, ainda que arbitrários nesta encrenca.

Precisamente por isto, tenho razões para crer que existe um cânone: não mais de quatro linhas. Vejamos então a seguinte:

Um tradutor que cita o diretor Quentin Tarantino para explicar por que escolheu grafar Ulisses com "y" ("quando lhe perguntaram o sentido da estranha ortografia de Inglorius Basterds: (ele disse) 'tem coisas que é melhor deixar para o leitor tentar resolver'...") e a banda conceitual americana Velvet Underground para justificar por que um livro tão pouco lido entrou para o cânone ocidental ("quando eles estavam tocando em Nova York, pouca gente viu, mas quem viu montou uma banda") marca uma diferença geracional profunda em relação aos tradutores que o antecederam na monumental tarefa de traduzir o clássico de Joyce para o leitor brasileiro - o filólogo Antonio Houaiss (1915-1999), que nasceu antes de o livro ser escrito, e a filósofa e professora emérita da UFRJ Bernardina da Silveira Pinheiro (1922), que nasceu no ano em que o romance foi publicado.

Na contagem do Word, temos: 140 palavras, 723 caracteres e 862 caracteres e espaços. E que blim-blim-blim é esse de Ulisses Velho e Ulysses Novo? É a nova mudança ortográfica, tão ao feitio dos milionários da academia brasileira de letras, que ajudam a queimar nossas bibliotecas, mudando a ortografia. A bola da vez foi inserirem no alfabeto as letras k, w e y, o que deu vida nova a gregos e irlandeses.

DdAB
imagem: daqui. Procurei no Google Imagem em "Felipe", o nome do menino de rua hoje biografado, como veremos no p.s.. Não pude deixar de evocar Raul Seixas: "um palhaço que come lixo." Dói, dói, dói.
p.s. a frase em destaque acima originou-se de entrevista concedida por Caetano W. Galindo (tradutor do Ulysses) a Cláudia Laitano, publicada no caderno Cultura (pp.4-5) de Zero Hora de ontem.
p.s.s.: a Zero está impossível: neste domingo, tem um caderno especial que poderia ser considerado um conto intitulado todo o caderno "Filho da Rua". É a história de um menino que ganhou as ruas aos cinco anos de idade e hoje, aos 14, todo mundo prenuncia: será morto in due time. A grande viagem do caderno é a contracapa: "Não dê esmola. A esmola (e isso inclui comida) só contribui para fixar as crianças na rua. Frequentemente, serve para sustentar o consumo de drogas."

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