22 maio, 2012

300%: lição de retórica (mas olho nos juros)

Querido Diário:
É a fama... Parece que é frequente que ando ingressando no tour dos 15min de fama. Ontem, fui convidado a participar do programa de TV "Conversas Cruzadas" (Canal 36 em Porto Alegre). Estavam também a profa. Gláucia Campregher e os marmanjos Giácomo Balbinotto e Paulo de Tarso Pinheiro Machado. Algum consenso e outro dissenso. O mote para discutir a inserção internacional da economia brasileira foi a declaração da tarde de ontem da presidenta Dilma Rousseff, asseverando que o Brasil estaria plenamente preparado para as marolas e tsunamis (minhas palavras, minhas?). Mais que isto, estaria preparado 300%.

Nunca esquecerei a retórica de Marx que às folhas tantas dizia algo como "nem que os preços caiam 1.000%". Claro que é retórica, mas até que diferente. Na verdade, os preços cairão até um limite de noventa e nove vírgula noventa e nove por cento, nada mais. Se caírem 100% já estão no limite do desaparecimento, quando será ilegal falar em preço. Se é zero, não é preço, aprendi há anos com o então aluno e agora professor Arlei Fachinello, da UFSC. Mas que podemos dizer sobre os 300%? Esta retórica é diferente, pois ela -presidenta- queria dizer apenas que a economia está muito bem, se 100% é maravilhoso, estamos a tal ponto exuberantes que apenas tudo é insuficiente para enquadrar-nos.

Agora tem o seguinte: claro que podemos medir quão bem um país se encontra face à dificuldade do sistema econômico mundial de adaptar-se a esta crise que se deve a uma ilusão ideológica e a outra incapacidade mundial de entender que é chegada a hora de tratar da federação mundial, o banco central, a justiça, a renda básica universal. Ilusão ideológica? Claro: achar que se combate crise e desemprego cortando gasto público. Mas então eles lá teriam que continuar emprestando dinheiro à Grécia? Claro que teriam e claro que teriam que requerer compromissos de bom-mocismo. Burrice mundial? Claro: tem que impor peias à desfaçatez da desregulamentação da atividade bancária. Claro II: tá na hora de erigir-se a instituição 'dinheiro mundial'.

Falei isto lá? Não, não falei. Falei da mensuração dos 300%, o que poderia ser feito com um índice de vulnerabilidade, como o calculado pelo prof. Cássio Moreira em sua dissertação de mestrado. E milhares de outros. Falei pilhas de coisas, insistindo em que o Brasil não está tão bem assim, pois segue em vigor a imagem do gigante de pés de barro. Nâo podemos falar em "bem", quando seguimos tutelando uma população de baixa intensidade de capital humano.

E que não falei? Perdi enorme chance de dar um significado ao conceito de equilíbrio, que foi -en passant- espinafrado pela profa. Gláucia. Ela declarou-se heterodoxa, eu declarei o Giácomo neoclássico (e ele não protestou) e declarei-me (como tenho feito aqui) como neo-heterodoxo (por modéstia, não disse que fui eu mesmo que criei esta escola). Falei que um neo-heterodoxo lida com a economia neoclássica e, particularmente, a teoria da escolha pública. Mas não falei por que sou heterodoxo. E a resposta é simples: meu credo em que a poupança não pode induzir o investimento simplesmente porque ela e ele são a mesmíssima coisa. Poupança é um blim-blim-blim de saldo, um blim-blim-blim calculado precisamente para ser igual ao investimento. O que um heterodoxo ilustrado pelas leituras dos economistas clássicos e Marx, temperadas pelas de economia de empresas, é que quem determina o investimento na empresa e, ipso facto, no conjunto relevante das empresas, ergo, da economia, é o lucro. Dizer que I = S (investimento iguala a poupança) é tão verdadeiro que o = é, na verdade, o sinal de 'idêntico'. E, se digo que I = S(S), que estou dizendo? Como I é, foi e será igual a S, estou dizendo que I = S(I). Até parece que estamos no SCI, ou seja, o Sporte Clube Internacional, aliás uma das duas baixarias gaúchas no futebol. Por contraste, se digo que I = I(P), ou que o investimento é uma função I dos lucros P, estou falando em teoria. Poderia ser, mas também poderia não ser. Provavelmente será, o que poderá recolher suporte dos dados empíricos no Brasil e na China.

Então o que não falei? Não falei isto, não tive oportunidade. E o blim-blim-blim do equilíbrio? A maior perda que tive de falar sobre macroeconomia foi não ter chamado a atenção de todos os da mesa (do programa, que identifiquei como elíptica, sem retórica) e os do sofá (de casa, com diferentes formas) que a taxa de juros, a taxa de câmbio e todos os demais preços macroeconômicos não devem ser nem altos nem baixos. Ou seja, haverá um nível -no caso- da taxa de juros que equilibrará os mercados monetário e de câmbio e, claro, de bens. Juro zero é casca grossa, como tem bastante a ver com a experiência japonese de 20 anos e americana de um pouco menos tempo. E juros estratosféricos também são caso de polícia. Se a professora Gláucia tivesse ouvido isto, não duvido que perdesse a voz e o microfone, hehehe.

DdAB
Imagem: procurei 'os 300% da Dilma'. Havia fotos do próprio discurso de Santa Catarina. Mas parece que 'ela não trocou vestido', como a sra. Kate Moss (?) lançou na moda. E achei que aquela carinha coloquial deixa-a bem à vontade para ser declarada a mãe dos pobres: um jurinho baixinho. Sua consagração, claro, está na campanha "Veta, Dilma", um chamado repleto de intimidade no trato com a velha amiga, ou a mãe protetora. Achei aqui.

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