13 abril, 2012

Lendo Bresser: mas não vamos esquecer as first things first


querido diário:
não li no dia 9/abr/2012 o belo artigo do prof. Luiz Carlos Bresser Pereira, a que tive acesso por meio do blog Economia e Capitalismo (ver). para meu próprio controle, reproduzo-o aqui. e comento em seguida.

Ciência versus intuição
Luiz Carlos Bresser-Pereira
   A teoria econômica é uma ciência mais simples do que seus cultores neoclássicos ou ortodoxos supõem. Toda a matemática que usam para desenvolver seus modelos alienados da realidade é, além de desnecessária, prejudicial, porque os conduz a transformar o mercado em um mito, e a propor sua desregulamentação, cujo resultado são graves crises financeiras.
   Mas isso não significa que a teoria econômica seja um conjunto de conhecimentos intuitivos. Pelo contrário, ela só se torna inovadora quando rompe com o senso comum.
   Adam Smith rejeitou o senso comum quando disse que a riqueza da nação não estava em seu ouro e seus templos, mas na produção; Marx, quando mostrou que o lucro resultava de uma troca de valores equivalentes no mercado.
    Schumpeter, quando ensinou que não é a posse do capital mas a capacidade do empresário de inovar e de ter acesso ao crédito que é decisiva; Keynes, quando argumentou que é o investimento que determina a poupança.
    Hoje os economistas estão diante de um quebra-cabeça. A intuição lhes diz que "os países ricos em capital devem transferir seus capitais aos países pobres em capital", ou seja: países em desenvolvimento deveriam incorrer em deficit em conta-corrente e financiá-los com empréstimos ou investimentos diretos.
    Entretanto, os países asiáticos dinâmicos, que crescem bem mais do que os latino-americanos, têm superavit em conta-corrente (superavit comercial inclusive serviços, juros e dividendos); a China, sempre.
   No governo Lula, o Brasil apresentou taxa maior de crescimento quando teve superavit em conta-corrente; desde que voltou ao deficit, tem crescido menos. Na maioria dos casos, um país em desenvolvimento crescerá mais se apresentar superavit em conta-corrente e, assim, financiar os países ricos.
    O modelo da doença holandesa explica essa surpreendente verdade. Para um país neutralizar a doença holandesa ou a maldição dos recursos naturais, precisa deslocar a taxa de câmbio do equilíbrio corrente (que zera sua conta-corrente) para o equilíbrio industrial (que torna competitivas empresas que usam tecnologia no estado da arte mundial). Ao lograr fazê-lo, o país terá superavit em conta-corrente, e os países ricos incorrerão em deficit.
    Os países em desenvolvimento devem, portanto, tentar crescer com despoupança externa ou superavit em conta-corrente.
    Um segundo argumento mostra o que ocorre com o país que tenta crescer com poupança externa. As entradas de capitais necessárias para financiar esse deficit apreciam a taxa de câmbio, aumentam artificialmente salários reais e o consumo, de maneira que mesmo quando se trata de investimentos diretos, aumentam afinal mais o consumo do que o investimento. Em seguida, o país, além de ter de remeter lucros e juros para fora, fica ameaçado de crise de balanço de pagamentos.
    Não é surpreendente que os países asiáticos dinâmicos, que ouvem muito menos que nós os economistas ortodoxos do Norte, tratem de administrar sua taxa de câmbio e não incorrer em deficit mas em superavit em conta-corrente. Se o Brasil apresentasse também um superavit, cresceria muito mais e com muito mais segurança do que hoje.


naturalmente concordo com a maior parte e tenho divergências quanto ao espinafre jogado sobre os neoclássicos, o que também espinafra "por tabela" os neo-heterodoxos (eu, eu, eu!!!). se não fosse a matemática de Wassili Leontief (em outras palavras, Marx e Walras), não haveria modelo de insumo-produto e, como tal, não saberíamos que o setor primário brasileiro é muito mais impactante do que se pensa, quando se fica restrito aos dados do Sistema de Contas Nacionais. quer saber como? veja alguns resultados aqui.

essencialmente, decidi ajudar minha memória a relembrar o belo resumo das contribuições de quatro grandes pilares da ciência econômica (Smith, Marx, Schumpeter e Keynes). a vetusta ciência econômica - como sabemos - se expressa em termos verbais, gráficos ou matemáticos. da matemática, pode-se derivar teoremas ou usar teoremas derivados por outros, como pilhas de coisas que rolam sobre o modelo de insumo-produto. nenhuma linguagem verbal ou gráfica permitiria tais arroubos no espaço n-dimensional. no Brasil, na postagem, nosso n = 46, ou seja, falamos da reprimarização e da desindustrialização com um sistema econômico de 46 setores. não há palavras que igualem resultados a que chegamos e que se expressam em palavras. Richard Cantillon, por exemplo, tem a ideia do significado da matriz inversa de Leontief, mas jamais poderia quantificá-la sem desenvolvimentos posteriores da álgebra linear (ver artigo de Maurício Coutinho na Nova Economia).

o ponto principal do prof. Bresser é sugerir, ainda que se baseando no que chama de "modelo da doença holandesa", que o um país deve repousar em superávits no balanço de transações correntes. ele insiste no ponto das exportações de produtos industriais e eu acrescento: também agrícolas e terciárias. o câmbio mais desvalorizado ajudará a todos!

o que não podemos esquecer é que não iremos exportar "primários/2008" a vida inteira. Antonio Barros de Castro falou que a atual relação com a China e o desenvolvimento mundial daria garantias de uns 20 anos ao Brasil. claro que não podemos pensar que um país não importará nem um prego, eternamente. eu proporia um "clube das reservas": de vez em quando, inventamos um projeto nacional de uso das reservas cambiais, por exemplo, levando nossos meninos de rua a se tratarem com dentistas e psicólogos suíços e tchecos, coreanos e malaios, já que não há dinheiro para pagar-lhes tratamento dentro do Brasil, hehehe. tenho insistido: o problema do Brasil não é a desindustrialização mas a deseducação.

eu tenho tentado quebrar a cabeça do jeito que melhor posso para entender por que a galera não acha que o melhor mesmo é formar capital humano e social e não insistir tanto, fisiocraticamente, na produção de capital físico. ou melhor, não acho que se possa produzir com alta produtividade sem o auxílio de capital físico. não se trata disto. o cerne de meu argumento é que é melhor começar gastando em educação, que vai ordenar construções, ônibus, computadores, equipos dentários, caderninhos de testes psicológicos. melhor do que o quê? melhor do que começar produzindo prédios, ônibus, computadores, etc., etc., pensando em "gerar renda e emprego" (t'esconjuro, discurso desastrado!) e aí -e apenas aí- que os trabalhadores tenham dinheirinho para jogar seus rebentinhos nas escolinhas que, apenas aí, comprarão seus prediozinhos, seus micro-ônibus, etc. então teremos prédios e ônibus atendendo as crianças e não o contrário, ou seja, queremos o contrário do que há hoje: edifícios finíssimos para o Banco Central e a Petrobrás e escolas mergulhadas no reino das necessidades elementares. não é mesmo? "first things first" passa a ser o meu lema.
DdAB

















3 comentários:

Aline disse...

Sábias palavras (as usual!) Advogo sempre que precisamos combinar o uso das linguagens de que dispomos (o que depende do seu poliglotismo) de forma a compensar limitações que todas elas possuem, individualmente. Acho até que o Keynes também. Outro dia vi uma declaração da Conceição Tavares a esse respeito mais espinafrante do que essa do Bresser.
Meu professor de Economia Marxista na faculdade sempre mencionava com orgulho que o Marx tinha escrito um livro de calculo, e, portanto, nao tinha usado matemática nas suas obras famosas não porque não sabia, mas porque não era adequado/necessário.
Mas me parece que os modelos de insumo-produto são bem melhor aceitos do que os de equilíbrio geral,
a nossa castigada econometria, etc. Alguns métodos devem ser mesmo mais heróicos que outros, o problema é que os autores/defensores daqueles que usam só termos verbais insistem na sua condição de deuses e, por isso, supõem ter o poder de " escreverem certo por linhas tortas".

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

oi, Aline:
que comentário refinado! gostei do poliglotismo. acho que o modelo hipotético-dedutivo permite usar todas as linguagem, cada aplicação a seu modo. eu não nego a retórica (como poderia?) como recurso para o diálogo. deixa-me contristado ver radicalismo na argumentação 'heterodoxa', quando esta deveria estar vacinada contra a intolerância metodológica.

em minha opinião, Marx foi quantitativista em vários momentos de sua obra, particularmente, no volume 2 (os esquemas de reprodução) e no 3 (o problema da transformação e a queda da taxa de lucro). parece que a Conceição estudou matemática e deveria saber isto.

e o modelo de insumo-produto é tão cheio de hipóteses para se chegar às tabelas finais que é impossível pensar na ausência de modelagem para se chegar a ele. vejo-o como uma linda fusão do pensamento de Marx e Walras na elaboração de Leontief.

abç
DdAB

Aline disse...

Olá Duilio,

(risos)...o refinamento vem puramente do 'efeito Planeta 23'.
Conheço um pouco de insumo-produto, Marx e Walras, mas talvez não o suficiente para enxergar a fusão e sua beleza.
É muito bom poder acompanhar heterodoxos com sua visão, alimenta o meu lado heterodoxo, meio subnutrido.
Obrigada pelo blog, seus posts são sempre uma boa maneira de manter a mente inquieta.
Abraço