16 setembro, 2010

Sarcô, Ciganô, Cigarrô, ABC, Berlinê...

senhoras e senhores:
em tempos de eleições, nada há de melhor do que mudar o endereçamento do blog para este "senhoras e senhores". já falaram de tudo, desde "brasileiros e brasileiras" até "eleitoras e eleitores", termos vagos. vagôs, devo admitir, se usar a pronúncia francesa. tentando abandonar por uns instantes o clube da baixaria em que se converteu a política partidária brasileira (desde que importamos os modelos d'"as cortes de Lisboa", que tê-lo-ão importado de allhures, sei lá). então decidi ingressar, lendo a p.30 da you-know-what de hoje.
carregava-se a seguinte manchete: "Mundo - Briga Européia - Expulsão de ciganos opõe França e UE". era o Monsieur Sarkozy e seu governement, mas na foto mesmo quem apareceu na foto foram seis indivúdios vestidos comme ci comme ça, if you know what i mean. as roupas nem eram excessivamente destoantes, mas as malas eram de gentes chamadas por aqui de chibeiros (termo não aurelianizado). pensei, direto, nos afamados cigarrôs Gitane (ciganô, não é isto?, mas "gitane" pronuncia-se como "pane" e não como pavê) e então cheguei a este site. pensei naquelas pessoas mais para mais desvalidas do que para menos, mais para vítimas do que para agressoras.

a exemplo da política brasileira, que me leva a solidarizar-me apenas com as vítimas da chapa branca, lá solidarizei-me com todos. todos os ciganos, todos os franceses e contra todos, todos os governantes italianos, berlinenses, etc.. uma vez que eles são, admitamos, romenos, seu maior problema deverá ser lá com seu governo romeno. o problema do governo romeno é que ele foi acolhido à União Européia. o problema com a União Européia é que ela teve que pagar a conta deixada pelo comunismo, ou pela baixaria em que a guerra fria jogou aquela companhia (epa, rimas...).

quando morei em Berlim, exibindo minha condição de italiano (lembremos que tenho dois passaportes e sigo clamando pelos outros 198, a fim de ser declarado cidadão do mundo), fui admitido com todas as honras de Estado cabíveis a um coroa de meu porte. entre elas, requereu-se que eu obtivesse permissão de duas instâncias do governo alemão para poder lá radicar-me: a prefeitura e a polizei. em outras palavras, para sair de meu país (nem falamos de Brasil, mas de Itália) e morar em Berlim, tive que prestar satisfação ao governo alemão, inclusive para não me lançar à busca de ajuda a desvalidos. ou seja, não me surpreende que o Sarcô também requeira de italianos e romenos o mesmo procedimento. afinal, a França (e nem a Romênia, by the way) são países especializados em reciclagem social. aliás, eles pagam caro por não incorporarem a atividade de reciclagem social como um bem semi-público cuja provisão deverá ser embalada no swing entre comunidade-Estado.

obviamente, não faz muito sentido um romeno migrar para um país em que o aguarda ninguém mais ninguém menos do que o desemprego. ou seja, ele estaria migrando e passando a ganhar o auxílio governamental que a França deverá reservar a seus desvalidos. claro que o direito de ir-e-vir deve ser assegurado a todos, mas haverá limites para a autonomia, no caso precisamente os associados à capacidade do indivíduo sustentar-se independentemente dos pais, responsáveis ou governo. quero dizer, endeusamento do mercado de fatores. se o cigano tem habilidades pouco valorizadas na Romênia e, além disto, na França, seu problema de ausência ou insuficiência de capital humano pode, claro, ser resolvido no Quartier Latin, de Paris, mas também pode sê-lo, talvez a menor custo social, na própria Romênia.

e quem avaliará se o romeno tem ou não emprego que lhe possibilite existência digna, que não tem trabalho precário, essas coisas? tenho dois candidatos:

.a. o inspetor de quarteirão, conforme existia no Rio de Janeiro nos tempos machadianos. isto é o que vemos na p.348 do v.3 das "Obras Completas em Quatro Volumes" de Machado de Assis (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008). lá fala-se em "inspetor de quarteirão" que socorreu gente desvalida, com um terrível final para o conto "Uma noite".

.b. o presidente do comitê local de defesa da revolução.

ok, ok, estou brincando. estes últimos parágrafos foram uma espécie de exercício contrafactual que acabo de fazer. primeiro: a renda básica unviersal é uma reforma democrática que conduz ao socialismo. como tenho dito, não quero socialismo, apenas as referidas reformas democráticas. penso que a renda básica universal deve atingir valores decentes, para garantir existência decente. mas, ao mesmo tempo, não acho que seja conducente ao socialismo pensarmos que um indivíduo (francês ou não) possa aboletar-se em locais escolhidos a seu bel-prazer, e -dele- destrutar das benesses comunitárias.

no Brasil, uma demagogia barata permite a instalação de tendas precaríssimas de vendas desde passarinhos a sucos de frutas produzidos em condições de higiene bastante variáveis, tudo à beira das estradas. por quê? porque eles não têm renda que lhes possibilite existência digna. claro que não seria sensato que todos se acotovelassem na praça central de Porto Alegre ou de onde quer que seja. mas tampouco teriam direito de se instalarem na beira das estradas, por uma questão de segurança e outra de eficiência. como tais casinholas vão atraindo mais gente e formando núcleos, trata-se de mais polos de urbamização, aglomerados urbanos, que requerem velocidade de veículos automotores reduzida, ou seja, mais tempo de carregamento de mercadorias e gente.

no outro dia, sugeri que o governo (e a comunidade) americano deveria subornar o pessoal que anualmente cai em depressão para não fazê-lo, pagando -se bem lembro- US$ 499 por mês, algo assim. neste caso, também considero que pagar a renda básica para o indivíduo não migrar é uma reforma democrática que conduz ao socialismo. de modo análogo, penso que -em seu local de moradia decente- o cigano, o francês, o italiano e todos os demais habitantes contemporâneos do planeta, podem ser subornados para não serem confundidos com bandidos e, ipso facto, não lhes darem cobertura ou legitimidade.
DdAB
p.s.: a fim de documentar, transcrevo hoje (26/fev/2012) o trecho relevante do conto "Uma Noite" que referi acima. está na p.348 do v.3 das "Obras Completas em Quatro Volumes" de Machado de Assis (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008).

"Os gritos da moça eram agudos, a força grande, tinha o vestido rasgado, os cabelos despenteados. Minha família chegou logo; o inspetor de quarteirão e um médico apareceram e deram as primeiras ordens."

então tá: regredimos em um século, até menos. já nos anos 1950, sou testemunha ocular do descaso dos governantes para com o desvalidos.

4 comentários:

Sílvio e Ana disse...

A renda básica universal poderia estar vinculada aos estudos. O sujeito que recebesse a RBU teria que comprovar que está estudando ou, no caso de já ter feito isso até um certo nível, ajudando a ensinar.
Mas como fazer tudo isso se ainda existem políticos (=ladrões)?
A campanha do voto em branco continua?
Um abração!
(Sílvio)

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

aí, Sílvio:
procedente! como sempre! desenvolvi algumas ideias que iria expor aqui na postagem de hoje. acho que o estudo é fundamental, associando-se à ginástica e trabalho voluntário: a tríade de minha "brigada ambiental mundial". a campanha agora tem a seguinte legenda "quem vota é idiota", em homenagem às críticas ad hominem que prosperam na campanha 2010.
DdAB

maria da Paz Brasil disse...

Bravo, Duilio!
adorei a postagem.Em especial a parte que trata dos problemas decorrentes da migração: "lá solidarizei-me com todos. todos os ciganos, todos os franceses e contra todos, todos os governantes italianos, berlinenses, etc.. " Nos dias de hoje, em relação ao assunto, todos são vítimas e algozes ao mesmo tempo.
MdPB

... DdAB - Duilio de Avila Berni, ... disse...

beleza, Da Paz!
beleza mesmo é ver-te em ação. queremos poemas! queremos crônicas políticas bread and roses!
DdAB