21 março, 2010

Friedman fazia economia

querido blog:
continuo no tema de "fazer economia" e "ser economista". já li bastante a respeito e cheguei, se bem lembro, a escrever um artigo na revista Ensaios FEE sobre o tema, ou os temas, os três, se incluirmos o que é "economia".

claro que não pretendo dar uma resposta frontal a todas estas questões (e obviamente não é por falta de capacidade, pois tenho-as perfeitamente respondidas em minha mente e mesmo escritos aqui e acolá). primeiro, há duas economias: a realidade econômica e a ciência econômica. economista é todo aquele que estuda a realidade econômica. alguns economistas valem-se da ciência econômica para gerarem seus achados.

realidade econômica é um objeto perfeitamente definido. é algo "do mundo lá fora", ainda que me afete. por exemplo, uso roupas, o que -em si- nada tem a ver com economia, mas -não fosse a divisão do trabalho na sociedade, não fosse o progresso da ciência do tingimento de tecidos, e milhões de outros recortes do cotidiano- eu não estaria usando precisamente as roupas que porto no presesente instante. e o que é o "mundo cá dentro"? é meu mundo das idéias. penso que o existe um mundo lá fora. aparentemente ele existe, ergo eu também existo e -comigo- minhas roupas, meu macacão de zuarte, meu automóvel...

a ciência econômica é que tem mais facetas do que a própria realidade que ela descreve. claro, pois a ciência econômica é algo em que pensamos, nós, os economistas interessados nela. por exemplo, meninos de rua, quando voltam-se a assaltar velhinhos, também podem ser declardos economistas, pois fizeram cálculos criteriosos que lhes impuseram o caminho do crime sobre o da virtude.

bem, não é bem isto o que Milton Friedman quis dizer, ainda que um monte de meninos acéfalos por aí pensem. primeiro: não interessa, para estes fins, que Friedman tenha apoiado a ditadura chilena; aprendi com Marx que não devemos julgar Balzac por sua admiração pela ascendente burguesia, mas pela sua capacidade de descrever sentimentos e emoções humanas. ok, deixemos a Bachelet e seu sucessor no opróbio a que já os condenei, anyway...

agora, falando em que faz um economista etc., ocorreu-me de falar de Friedman, que -a meu ver e para minha formação - teve pelo menos três importantíssimas repercussões. a primeira veio com mais ou menos o que caricaturei acima sobre a qualidade das premissas dos modelos não ser elemento importante para seu julgamento. parece que foi Mark Blaug que escreveu que "Friedman is Popper with a twist to economics". claro que ambos são Mont Pélerin oslt. mas não é disto que estou falando... esta questão da "economia positiva" é importante para descrever os contornos da ciência econômica.

talvez a semente de Friedman tenha caído tão profundamente em meu terreninho (epa!) simplesmente porque este teria sido arado adequadamente por Oskar Lange, no artigo do livro da editora Zahar editado por David Horowitz e intitulado "A Economia Marxista e a Moderna Teoria Econômica". há alguns anos, decidi intitular-me economista político, precisamente por apreciar both a "economia marxista" e a "moderna teoria econômica". claro que Lange nada falou sobre a teoria da escolha pública, pois nem a criou nem ninguém, antes dele, foi capaz de fazê-lo.

ainda assim, não precisava ser o criador para fazer dela o que fez, por exemplo, Samuel Bowles, com sua formação marxista, neoclássica/econométrica e austríaca. e mesmo antes de Bowles eu já entendera a importância de coisas que ele, como ninguém, sintetizou e deu sentido para mim. ele, Bowles, é o mundo lá fora. e o que ele deixou em meu mundo lá dentro é impagável. claro que Friedman também...

voltemos a Friedman: segunda contribuição. em minha maneira de ver o livro de Macroeconomia de Wendy Carlin e David Soskice (o primeiro livro dos dois, mas o segundo não nega em absoluto), o conceito mais importante da macroeconomia é a taxa de desemprego não aceleradora da inflação - NAIRU. e, em minha maneira de ver Friedman e seus escritos monetários e os de alguns comentadores, foi precisamente ele o fundador do conceito. parece óbvio, depois de explicitado. se há algum nível de equilíbrio entre inflação e desemprego, haverá -lógico- outros de desequilíbrio. Teethetus diria: um grupo de desequilíbrios tem a ver com inflação e outro grupo terá lá suas contas a prestar à deflação. e daí? segue-se logicamente que podemos pensar num nível de equilíbrio geral (geral? com posições decentes no mercado de trabalho e no de crédito, não mais que isto) em que o desemprego, os preços, os salários reais, a taxa de inflação, a taxa de câmbio, o consumo das famílias pobres, o gasto em aparatos repressivos, tudo estará em equilíbrio. ou com inflação nula ou com inflação mantendo-se em determinado patamar. isto implica logicamente que sou favorável à manutenção do Dr. Henrique Meirelles na chefia do Banco Central do Brasil (e eu quase ia dizendo "na gerência" da agência brasileira do Banco Central Mundial...).

pois bem. em minha opinião, a maior contribuição de Milton Friedman para o século XXI (pois foi nele que li sistematicamente pela primeira vez sobre a renda básica). o lado chileno não conta, mas a motivação de Friedman tem a ver com "liberdade". para ele, o exercício da liberdade apenas pode ser iniciado a partir de um nível mínimo de necessidades atendidas. claro que ele terá lido Maslow e talvez Rawls, concordando com um e discordando do outro. o fato é que ele foi o carinha que teve a coragem de retomar o tema de 50 anos antes lá de seus escritos sobre o papel da "esmola". e sacou a questão via imposto de renda: se quem ganha muito paga mais do que quem ganha menos, quem ganha certo montante não paga nada, é lógico que quem ganhe menos do que certo montante decente deve ganhar imposto de renda de volta!

em minha opinião, isto organiza o mundo do século XXI: a humanidade chegou num ponto de poder viver sem trabalhar, pois tem gente que gostará de trabalhar para ganhar incentivos espetaculares que se associarão aos selecionados postos do labour market. só para rimar o final: acho que a dupla Serra-Dilma será capaz de acelerar a implantação da renda básica, ainda que não com os contornos que considero adequados. mas é melhor vê-los na presidência do que gente do porte de Alain Delon, Silvio Berlusconi, John Wayne ou Vladimir Putin.
DdAB

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